Rio - Se fosse vivo, Freud aprovaria. Depois de receber a Rocinha e sua psiquê cultural no Museu de Arte do Rio, sábado passado, a Sociedade Brasileira de Psicanálise sobe o morro amanhã para sediar a segunda rodada do Tributo a Nélson Mandela — 3º Encontro da SBP-RJ com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O evento, na Biblioteca-Parque da comunidade, é o primeiro passo para que a psicanálise reconheça oficialmente a forma de viver e produzir cultura no território.
“É uma via de mão dupla. Vamos levar o ponto de vista psicanalítico e aprender mais sobre esta cultura”, diz Ney Marinho, um dos criadores do projeto. A exposição de fotos dos jovens da Oficina Clique Popular de Fotografia é um dos elementos do debate de amanhã. Através das fotos, Ney e o colega Miguel Sayad, que coordena o evento, pretendem fazer uma reflexão dos convidados sobre como a vida se expressa nestes territórios excluídos da cidade formal.

“Na verdade, o que está ocorrendo quando subimos o morro é a recuperação cultural de um passado muito recente. A ditadura militar (1964-1985) cerceou e impediu a psicanálise de ficar na favela”, emenda Ney. “Precisamos trazer à tona o que está oprimido no território, o universo invisível da Rocinha.” Os jovens da Oficina Clique Popular, pegos de surpresa com o convite para remontar a exposição, gostaram. “É muito bom que a psicologia suba o moro”, diz Rosane Rodrigues.
“Possibilita que a gente junte diferentes correntes de pensamento e assim monte um coletivo”, interrompe Flávio Carvalho. A diretora da biblioteca, Daniele Ramalho, não esconde seu orgulho com a ilustre visitante. “Ter eles aqui significa que a Sociedade Brasileira de Psicanálise assume a cultura local como oficial.” Freud explica...
Próximo passo é pôr o divã na favela
Se num primeiro momento a Sociedade Brasileira de Psicanálise procura prestigiar a favela, num segundo promete por à disposição dos moradores o atendimento psicanalítico. Ney conta que o objetivo está na mira da categoria. E lembra que já há um serviço preparado para quem quer tratar a cabeça e não tem condições financeiras de pagar pelas sessões — geralmente custosas. “Temos 30 profissionais disponíveis para atendimento a quem está nesta situação”, diz. “Basta ligar, passar por uma entrevista e esperar.” O telefone da Sociedade Brasileira é 2537-1333.
Semelhança com a África impressiona
A decisão de ir à favela passou pelo fato de que a maioria das comunidades de língua portuguesa está na África. Miguel Sayad não esquece a experiência que passou em Maputo, capital de Moçambique. “Há diversos pontos em comum com a vida nas favelas”, conta. “Aquilo lá é uma loucura, uma explosão de vida como aqui”, exclama. “Precisamos integrar a cultura da Zona Sul à cultura da favela”.
O evento, que passa por três temas alinhavados pela vida de Mandela, começa amanhã às 10h com a mesa ‘Violência social e política: As Comissões de Verdade e Conciliação. O perdão’. Às 12h15 haverá apresentação de uma performance em vídeo e, às 14h30, o encerramento: “A aventura marítima portuguesa. A longa caminhada para a solidariedade: CPLP. A fraternidade.” A entrada é franca.