Rio - Depois de dedicar a vida a fazer a alegria de crianças e adultos ao encarnar um palhaço, um mágico e um domador de leões, Orlando Orfei já não se apresenta para o respeitável público. Os gritos de “oh!” que provocava na plateia ao contracenar com animais selvagens são uma lembrança que gosta de reviver ao folhear jornais e revistas. Em 2006, por causa da proibição de animais em circos do Estado do Rio, ele se aposentou.
Mas aos 94 anos, diz sentir-se mais feliz que nunca, com o carinho da mulher, Herta, de 80, com quem vive há 55 anos, e dos seis filhos, 12 netos e seis bisnetos. Ele diz que outra paixão é Nova Iguaçu. “Gosto de ficar no jardim de casa, com minha família, lendo e brincando com meus ‘perros’ (cachorros)”, conta ele, que, com frequência, mistura português, italiano e espanhol. “O carinho do povo de Nova Iguaçu me mostrou que aqui é meu lugar. Não tem gente que me seja antipática. Gosto de todos e todos gostam de mim”.
Ele conta que viajou por todos os países da América Latina levando seu espetáculo a cidades em que nem havia energia elétrica. Já famoso na Itália, Orfei veio para o Brasil em 1968, convidado por um empresário que prometeu espetáculos com casa lotada no Rio e em São Paulo.
Mas o que se apresentava como a realização do sonho de levar sua arte para outro continente se transformou em pesadelo assim que o avião pousou em solo paulista. “O empresário nos deu um calote”, lembra ele.
Orfei conta que chegou com uma companhia grande de artistas e dezenas de animais para alimentar. “Ficamos com uma mão na frente e outra atrás”, lembra Herta.
Sem eira nem beira, o patriarca da família Orfei teve que correr atrás de comida, de empréstimos e de um trailer para se organizar. Quatro meses depois, conseguia pôr de pé seu primeiro picadeiro em terras canarinhas.
“Estávamos sem dinheiro, éramos de fora, e, apenas com a palavra, meu pai conseguiu tudo de que precisava. A bondade e a honestidade sempre foram qualidades muito admiradas por ele”, orgulha-se Isabella, de 53 anos. “Daí surgiu a paixão dele pelo povo brasileiro”, afirma ela.
Paixão pelos animais vai além do circo
Ao ser perguntado sobre o que mais gosta num circo, Orlando Orfei responde sem hesitar: “De tudo. Afinal, circo é circo”, diz ele.
Mas um olhar mais próximo permite perceber a paixão dele por seus três cachorros e o carinho com que se lembra dos animais dos tempos de picadeiro, em especial da leoa Elza. Além de atrair olhares de curiosos e outros de reprovação por levar a leoa para passear e tomar banho na Praia de Santos, na década de 1970, foi com números com animais selvagens que Orfei encantou o público.
“Não trato os animais como animais. Eu os trato como meus amigos, porque é isso o que eles são”, diz.
Orlando Orfei já precisou de atendimento em hospitais 63 vezes por causa de acidentes de trabalho.
Trajetória vira documentário
Por causa do trabalho, Orlando Orfei nunca pisou numa sala de aula. Mas fala quatro idiomas, é escritor, dublador, pintor e empresário. Optou por agradecer à sociedade de forma peculiar.
Distribuía a famílias de presidiários, gratuitamente, ingressos para espetáculos e entradas para o Tivoli Park, na Lagoa, na Zona Sul do Rio. “Penso que temos que ajudar pessoas que passam por momentos difíceis. As mulheres e os filhos dos presidiários certamente se enquadram nesse perfil”, diz.
A trajetória do artista, desde o nascimento, em 1920, até os dias de hoje, é tema do documentário já finalizado ‘Orlando Orfei — O Homem do Circo Vivo’, de Sylas Andrade. O cineasta rodou a Itália e o Brasil em busca de detalhes da vida de Orfei. Andrade espera agora o contato de uma distribuidora interessada em colocar o filme nas salas de cinema. Propostas para exibição na TV já apareceram.