Rio - ‘Apesar das barbaridades que sofri, não tenho ressentimento nem dos torturadores”. O perdão, em forma de desabafo, aos militares que o torturaram no início da década de 1970, é do aposentado e anistiado Edir Inácio da Silva, de 77 anos, ao revisitar ontem o 1ª Batalhão de Infantaria Blindada do Exército, em Barra Mansa. De acordo com a Comissão da Verdade de Volta Redonda, a unidade serviu como centro de tortura e detenções de 1964 a 1973, de onde se estruturou a repressão militar para a Região Sul Fluminense.
“A tortura não acontecia apenas com o preso político”, afirmou Edir. Foi nesse batalhão que, em janeiro de 1972, quatro soldados — Wanderlei de Oliveira, Juarez Monção Virote Roberto Vicente da Silva e Geomar Ribeiro da Silva — foram torturados até a morte. Outros 11 sobreviveram às torturas. O assassinato foi o único caso ocorrido no período da ditadura que resultou no julgamento e condenação de militares — em 22 de janeiro de 1973, oito militares, além de dois policiais civis do antigo Estado da Guanabara, foram condenados.

Os momentos de tortura que Edir passou no 1º BIB, de novembro de 1970 até o início de 1971, foram relembrados em uma diligência realizada pelas comissões da Verdade nacional, do Rio e de Volta Redonda, com apoio de pesquisadors da UFF. Outros dois ex-presos políticos — José Getúlio Novo Pauferro e Valter Soares de Matos, ambos com 62 anos — que participaram da visita confirmaram que os militares condenados pelas torturas com os 15 soldados são os mesmos que compuseram a equipe que torturou os presos políticos de 1970.
Dois dos 11 soldados sobreviventes — Antônio Liberato Geremias e Lincoln Botelho — também percorreram as instalações onde ficaram presos e reconheceram os locais da tortura, as celas e solitárias, e o “submarino”, local onde funcionava um paiol e servia para a prática de tortura psicológica, já que o preso não conseguia discernir quando era dia e noite.
Apesar de a sentença falar apenas de espancamentos, inclusive com uso de uma palmatória feita no próprio quartel, os sobreviventes relatam que sofreram choques elétricos, afogamento e simulação de fuzilamento por parte dos militares. Os recrutas torturados foram acusados de usarem ou traficarem maconha nas dependências militares, mas o Inquérito Policial Militar (IPM) acabou arquivado.
“Depois de morto, meu filho foi cortado em pedaços”
Familiares dos soldados torturados e assassinados no local também acompanharam a visita. O pai de Juarez Monção Virote, Pedro Virote, 88, se emocionou ao lembrar o que aconteceu. “Depois de morto, meu filho foi cortado em pedaços como se fosse um alimento qualquer”, disse. Segundo Juarez, o filho “demonstrava insatisfação com o que acontecia lá dentro.”
Quando foi preso, Edir era estudante do 4º ano de Direito e fez questão de, quando se formou, levar uma cópia do seu diploma para Dom Waldyr Calheiros, então bispo de Volta Redonda e Barra do Piraí, também perseguido pela ditadura. “Não é rancor ou ódio, mas é preciso que se restaure esse processo. É muito importante esse trabalho das comissões da verdade para a história. Estou à disposição para contar tudo o que passei aqui”, disse o ex-militante.
“Pelos depoimentos, temos a confirmação de que aqui funcionava um centro de tortura, embora o Exército se negue a reconhecer estes espaços”, disse o coordenador do Grupo de Pesquisa da UFF, Ozanan Carrara.
Local hoje funciona como circo
Transformado em Parque da Cidade, o 1º BIB hoje abriga um circo, o Comando da Guarda Municipal e a Secretaria de Desenvolvimento Rural do município. Durante a visita, pesquisadores da UFF de Volta Redonda, que coordenam o projeto “O 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército e a repressão militar no Sul Fluminense”, registraram, por meio de fotografias e filmagem, os locais onde presos políticos foram torturados. “Vamos entender a logística dessa estrutura e como funcionava essa unidade”, ressaltou Alex Martins, o presidente da Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda.
Nadine Borges, presidente da Comissão da Verdade do Rio, disse que as Forças Armadas continuam negando que não houve desvio de finalidade nas instalações militares. “Mas nesse episódio de 15 soldados presos e torturados, a Justiça Militar acabou condenando os responsáveis por tortura e morte dentro do BIB. Foi o único caso em que isso ocorreu durante a ditadura militar e, por isso, não podemos nos conformar com as declarações dadas pelas instituições militares”, destacou.