Por thiago.antunes

Rio - Entre Cardoso Moreira e Italva, é possível atravessar o rio andando, sem molhar os pés. O nível do Rio Muriaé, um dos afluentes do Paraíba do Sul, que abastece boa parte das cidades do Norte e Noroeste Fluminense, já atinge a sua pior cota em pelo menos 30 anos. A longa estiagem que seca os rios da região — como o o Pomba, o Carangola e o Itabapoana — já dura mais de cinco meses e castiga a economia, colocando em risco o abastecimento de leite e derivados e de alimentos.

Dos 19 municípios, São Fidélis, com 42 mil habitantes, é o mais crítico. O município decretou situação de emergência no dia 30 de setembro. Diariamente, 20 caminhões de cana de açúcar são transportados de Campos dos Goytacazes para alimentar o gado, que morre por falta de pasto. Em Itaperuna, maior cidade do Noroeste e importante bacia leiteira, a situação já provoca graves prejuízos.

Em Itaperuna%2C a seca do Rio Muriaé%2C um dos principais afluentes do Paraíba do Sul%2C chega a níveis nunca vistos. Animais pastam no leito do rioFoto do leitor

O secretário de Agricultura do município, Luiz Alberto Azevedo, disse que a produção leiteira sofre uma queda de 40%. Já a produção de olerículas (folhosas e legumes) caiu pelo menos 30%. Principal base econômica de Itaperuna, a pecuária leiteira reúne 1.250 produtores rurais — 90% deles pequenos agricultores familiares —, que fornecem 300 mil litros de leite por dia às fábricas de laticínios da cidade. “Nunca vi situação como essa em mais de 30 anos”, diz.

“Se esta estiagem continuar mais 20 dias, outros municípios podem decretar situação de emergência. É o caso de São João da Barra, São Francisco do Itabapoana e Cardoso Moreira, que são muito castigados. Não é água que falta, é pastagem para os animais”, alerta o cooordenador regional da Defesa Civil Norte, coronel Moacir Pires.

No Rio Muriaé, a situação é tão crítica que nem a Defesa Civil consegue realizar a medição. “As réguas só marcam a partir de 2,10 metros”, completa Pires, responsável pela monitoração dos principais rios que abastecem 42 cidades no Norte e Noroeste Fluminense e também no Sul de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Secretário de Defesa Civil de Itaperuna, o tenente coronel Fabrício de Souza Boa Morte afirma que o nível do Muriaé chegou a 1,5 metro. “A cota está um metro e 20 abaixo da normal, que seria de 2,70 metros para esta época do ano”, diz, ao lembrar que a cota de transbordo é 5,40. “É uma situação muito crítica, estamos instruindo a população para controlar a água, não gastar desnecessariamente”.

Itaperuna já teme risco de falta d’água

Em Campos, a cota normal no Rio Paraíba do Sul, em épocas de estiagem, é de 5,50 a 5,70 metros. Neste sábado, estava em 4,57 metros. Apesar dos baixos níveis nos rios da região, segundo a Defesa Civil, nenhum município está com problema de captação e tratamento de água.

Já o secretário de Gabinete de Itaperuna, Celso Nunes, disse que se não chover em 15 dias haverá desabastecimento. “Ainda não há esse risco, mas se não chover nos próximos 15 dias, vai começar a contenção. A Cedae já está pedindo para economizar e vamos iniciar uma campanha também”, destacou.

Para atenuar os prejuízos aos produtores rurais, a prefeitura tem limpado açudes e ajudado no fornecimento de forragem e transporte para buscar cana em Campos para alimentar o gado. “A situação é preocupante. É necessário chover de 15 a 30 milímetros, e com mais frequência, para amenizar a situação. Mas só existe previsão de chuvas para o próximo mês. Na semana que vem, deve chover terça ou quarta, mas muito pouco, apenas quatro a cinco milímetros”, disse o coronel Moacir Pires, da Defesa Civil.

Queimadas destroem pastagens em Cambuci e Itaperuna

Além da economia de água, o combate aos incêndios criminosos é outro desafio. “O índice de queimadas é pelo menos 50% maior que o ano passado”, afirma o coronel Douglas Paulich, comandante de área Norte e Noroeste do Corpo de Bombeiros. Na última quinta-feira, os bombeiros conseguiram controlar o fogo em uma área de mil hectares, equivalente a mil campos de futebol, na Serra do Monte Verde, distrito de São João do Paraíso, em Cambuci.

Sem ajuda de helicópteros, deslocados para a Região Serrana do estado, a operação levou três dias e contou com 35 bombeiros e 15 agentes da prefeitura. No distrito de Retiro do Muriaé, em Itaperuna, outro foco de incêndio, controlado na noite de quarta-feira, destruiu aproximadamente 10 hectares, atingindo uma área de pastagem.

“Noventa e nove porcento das queimadas na região ocorrem em área de pasto. Mesmo não colocando vidas em risco, o gado sofre muito”, completou o secretário de Defesa Civil de Itaperuna, tenente coronel Fabrício de Souza Boa Morte. O secretário de Agricultura do município, Luiz Alberto Azevedo, disse que muitos produtores ateiam fogo na vegetação porque não têm mão de obra para recuperar o pasto.

“Sem braços para o manejo e limpeza do pasto, eles colocam fogo. A solução é a mais barata no momento, mas eles acabam perdendo a propriedade. A queimada contamina o solo e o leito do rio, provocando seu assoreamento. Isso acarreta enxurradas e cheias em períodos de chuva. Ou seja, é um efeito dominó”, diz o secretário, lembrando as fortes enchentes que costumam castigar a região em épocas de verão.

Para prevenir a situação, segundo ele, é necessário preservar as nascentes e reflorestar as margens dos rios. “É preciso proteger para ter água, que é o maior bem que a gente tem. Tem um ditado muito certo na roça: ‘Deus perdoa, mas a natureza não perdoa’”.

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