Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação

O ano de 2022 ficará marcado pela guerra na Ucrânia, que completa 10 meses e ainda parece longe do fim, mas também por um conjunto amplo de crises que revelam um cenário bastante sombrio para a política internacional. A crise climática, por exemplo, segue seu curso impiedosamente, enquanto os países mantêm uma absoluta falta de ambição em eliminar o uso de combustíveis fósseis, principal fonte de emissão de gases de efeito estufa. Nesse contexto, eventos extremos seguem se sucedendo, cobrando milhares de vidas e deixando dramáticos rastros de destruição pelo mundo, como as enchentes que inundaram um terço do Paquistão em agosto.
Na questão energética, aliás, verifica-se também uma crise, provocada pelo custo crescente dos hidrocarbonetos na esteira do conflito ucraniano, o que contribuiu para o surto inflacionário que ameaça a Economia global, com as maiores taxas dos últimos quarenta anos em boa parte dos países desenvolvidos. Os custos proibitivos da energia necessária para aquecer lares, empresas e o comércio prometem um penoso inverno no hemisfério norte.
O mundo também se viu às voltas com uma crise alimentar severa, agravada pela guerra na Ucrânia e as restrições às exportações de grãos russos e ucranianos. Ademais, a elevação nos custos de fertilizantes gerada pelo conflito também pressiona o preço dos alimentos e produtos agrícolas mundo afora, constituindo mais um fator para o avanço da inflação global.
A fome crônica torna ainda mais complexas as crises humanitárias que continuam a ameaçar a sobrevivência de milhões de pessoas em zonas de conflito espalhadas pelo planeta, como Congo ou Etiópia, ou áreas marcadas por perseguições e atrocidades, como Mianmar e Afeganistão. O número de migrantes forçados e refugiados ao longo do ano foi alarmante, inclusive pelos milhões de ucranianos que foram obrigados a deixar suas casas e o país logo no início da ofensiva russa.
Para a América Latina, o ano de 2022 tampouco deixará saudades, revelando um cenário marcado por graves instabilidades políticas e econômicas que mais uma vez convulsionaram a região. A Venezuela segue à deriva sob o governo despótico de Maduro, apesar de acenos vindos dos Estados Unidos e da União Europeia que cobiçam o petróleo do país caribenho em meio à disparada no preço dos combustíveis no mundo.
Nayib Bukele deu continuidade à sua aventura autoritária em El Salvador e o Peru mantém a rotina de derrubar (ou prender) os presidentes ao sabor dos caprichos do Parlamento. A Argentina de Alberto Fernández termina dezembro como campeã mundial de futebol, mas com uma inflação que ronda os 100% anuais e uma crise sócio-econômica perene sem solução à vista.
O Brasil continuou ocupando um papel marginal na política internacional durante o último ano da traumática gestão Bolsonaro, tachado de pária ambiental e ignorado pelas principais lideranças globais. O novo governo Lula tentará resgatar a visibilidade e projeção de outrora, bem como a credibilidade da diplomacia brasileira, mas encontrará um mundo muito desafiador e impactado por crises que exigirá ações lúcidas, pragmáticas e coerentes, sem espaço para os histrionismos estéreis que caracterizaram algumas das ações internacionais do país nos anos 2000.
Onde há mesmo muito pouco a comemorar é no Kremlin, com o todo poderoso Vladimir Putin tendo reconhecido há poucos dias que a situação é “extremamente difícil” nas províncias ocupadas no leste da Ucrânia, marcadas por derrotas e recuos das tropas russas. Enquanto isso, Zelensky fez viagem histórica aos EUA, tendo sido recepcionado como herói no Capitólio e na Casa Branca, em um jogo de cena que retrata uma narrativa reducionista e maniqueísta do bem contra o mal, mas que revela um mundo dividido e perigoso.
Paulo Velasco Júnior é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Uerj