Economista Raul VellosoDivulgação/Inae

Na entrevista ao SBT, em 18 de janeiro, perguntaram-me sobre o déficit da proposta orçamentária da União para 2023, que acaba de ser sancionada por Lula, déficit esse projetado em gigantescos R$ 231,5 bilhões, tendo por trás um salário mínimo estimado em R$ 1.320. Quão críveis seriam os números subjacentes?
O primeiro problema é que ele não vale muita coisa. O próprio Lula reconheceu isso na entrevista sobre o assunto que deu no mesmo dia, avisando que, diante dos desacertos na peça que herdou, o primeiro orçamento para valer do seu mandato seria o de 2024, algo que é perfeitamente compreensível, dado o forte grau de incerteza reinante hoje nessa matéria e que tenderá a perdurar nos próximos meses.
Mas o foco da minha resposta foi em pedir que se examinasse com atenção a atual estrutura do gasto da União, e como ela se compara com a que se verificava por volta da edição da última mudança constitucional de peso, ou seja, a de 1988, passados 34 anos, algo a que, pressionado de todos os lados, o atual governo ainda não se dedicou com afinco, como se vê nas entrevistas de autoridades da área.
Isso mostraria que, de lá para cá, o item Previdência mais Assistência aumentou de 28% para 68% do total, sendo Previdência, sozinha, responsável pelo aumento de 19% para 52%, algo realmente chocante...Enquanto isso, o peso do item Investimento Público em Infraestrutura se reduzia de 16% para 2% do total, esse, sim, um resultado ainda mais preocupante!
Ou seja, de um lado, viramos um país de aposentados bancados pelos governos, pois essa mesma história se mostra em mais de 20 estados e de dois mil municípios. E, do outro, o setor público como um todo, que sempre foi o grande investidor em infraestrutura, parou de fazer isso, pois outro levantamento demonstra que, do final dos anos 1980 para cá, a razão investimento público em infraestrutura/PIB caiu nove vezes, e com ela o PIB, cujo crescimento, nas duas últimas décadas oscilou em torno da média de 0% ao ano.
Na entrevista à Natuza Nery, do Globo, que ao ar recentemente, Lula disse preferir se dedicar à retomada do PIB e ao apoio aos mais pobres, do que a cumprir a meta de inflação. Ele está certo, creio. Mas precisa correr atrás do prejuízo, e se dedicar ao equacionamento do maior buraco, ou seja, o das contas previdenciárias não só diretamente na União, como também nos demais entes.
O diabo é que a cobrança sobre o tema equilíbrio fiscal é desproporcionalmente pesada, e Lula sabe disso. Sem o diagnóstico correto, a maioria exige uma nova “âncora fiscal” em lugar do teto, e ponto.
Concluo, em síntese, que o esforço de ajuste orçamentário que cabe fazer agora deveria se concentrar no item Previdência, algo que leva tempo, mas há uma ordem constitucional comandando a sua realização, e o passo-a-passo é bem conhecido. Só assim se abre o espaço para investir e sairmos do buraco. O resto, basicamente, é de segunda ordem...
Raul Velloso é consultor econômico