Ex-ministro da Justiça Eugênio AragãoMarcelo Camargo/Agência Brasil

Desde o início anos 1970, o povo Yanomami vê seu território agredido pela intrusão de gananciosos que buscam fazer fortuna com ouro, bauxita, nióbio e outros minérios de alto valor. Começou com os militares durante o período da ditadura e voltou com força total no governo Bolsonaro. Tudo é parte de um mesmo projeto: exterminar a população local e abrir a região para a exploração predatória. Como não falar num projeto genocida?

O povo Yanomami é frágil. Tiveram pouco contato com não indígenas e, com isso, as doenças que entre nós são endêmicas, que para eles podem ser fatais. Deu-se um desastre sanitário de enormes proporções com os óbitos atingindo todas as faixas etárias, mas em especial as crianças. Se esse movimento invasor fosse algo espontâneo, poderíamos até dizer que a causa da catástrofe seria fruto “dos males inevitáveis do processo de expansão econômica desordenada”. Mas assim não foi. A invasão tem plano, objetivo, projeto.

O projeto em curso começou na ditadura militar, com o temor infundado dos governantes pela possibilidade de ocupação estrangeira e consequente perda do território do norte da Amazônia pelo Brasil. Os militares puseram mãos à obra. Conceberam o “Projeto Calha Norte” como vetor de “desenvolvimento estratégico” da Amazônia, com construção de infraestrutura para a expansão da fronteira econômica. Queriam atrair massa populacional para a região. A massa mais fácil de movimentar e motivar era o lúmpen, multidão de pessoas sem rumo e perdidos na miséria, fruto de uma sociedade desigual, com traços escravocratas indeléveis. Essas pessoas nada tinham a perder, poderiam assumir o risco pessoal de se embrenharem pela floresta em troca do precioso butim da conquista: o ouro.

O contato dessa massa de pessoas com os Yanomami foi proposital. Assim como proposital foi a tragédia que se seguiu. A falta de reação do Estado, a deixar os indígenas à míngua, com seus rios poluídos de mercúrio, sua floresta desmatada e a lama que sobra infestada de mosquitos transmissores de doenças tropicais, como a malária, foi consciente.

Consciente foi também recusar-lhes a assistência médica, a alimentação condizente com seus hábitos, foi permitir o estupro das mulheres Yanomami por aventureiros, os conflitos em que estes, sempre armados, exterminaram vários grupos do povo indígena. O que sobrou - dentro do plano - foi a miséria, a morte e o caminho da extinção da etnia. Estava pronta a fórmula para o genocídio.

Genocídio é o crime praticado com escopo de extinção de um grupo humano, seja por sua morte, seja por expô-lo a condições incompatíveis com sua existência. Tudo que se vê no entorno Yanomami é o mais perverso e intensamente doloso genocídio. E há responsáveis por ele: os militares, as mineradoras e os burocratas que permitiram conscientemente acontecer a tragédia, por ganância, por desprezo ao outro ou por uma concepção deturpada e bestial de desenvolvimento econômico.

E todos hão de responder por isso. É de justiça que o Brasil precisa. E que seja feita imediatamente. Todos os envolvidos terão que pagar por essa atrocidade.
Eugênio Aragão é ex-ministro da Justiça, advogado e um dos responsáveis pela demarcação das terras Yanomami