Nas primeiras horas do primeiro dia da semana, nasci. Nasci nascendo de minha mãe. Dentro dela, deslizei pouco. O ventre é o espaço do aconchego. Espaço preparador dos outros maiores, dos territórios que se percorrem, quando se nasce.
A vida já existia antes. A vida começou a existir quando meu pai, Luis Felipe, e minha mãe, Rafaela, decidiram. Em um dia de encontrar, encontrei o meu jeito de ir me fazendo, parte por parte, neles. Fui crescendo em minha mãe e nos pensamentos de meu pai. Fui amada antes do choro que dizia que eu nasci.
Um dia, vou ler essas palavras. Acho que os sentimentos vêm antes das palavras. Hoje, sei sentir e não sei dizer. Amanhã, saberei dizer sem esquecer de sentir. Os sentimentos de quem se despede do cordão umbilical e percebe o mundo grande é de espanto, talvez. É o início de uma viagem. Uma viagem que ninguém pode fazer por nós.
No útero, a segurança. Os grandes deslizes vêm depois. O choro da inauguração é música sem partituras. Partituras que serão escritas nos tempos de escrever, nos dias todos que nascem exigindo notas e canções. Vou cantar a canção da felicidade sem ter medo das pausas nem dos tempos que indicam sofrimentos. O meu sofrer será ensinador a mim mesma do sofrer do outro. O sofrer em mim escreverá a lembrança de que o outro sofre.
Quero ser uma aliviadora de outras dores, porque, mesmo nascendo em um mundo com tantas luzes de máquinas, de aparelhos, de distâncias, vou fazer valer a proximidade de dois corpos que me geraram para gerar amor no mundo.
Comigo nasceu uma nova vida. Em uma nova vida, nascem vidas que se sucedem nas iluminuras de outras vidas. Eu quero ser luz para explicar que a luz que sou é mais poética, mais aconchegante, mais necessária que as luzes não geradas de almas humanas.
Desocupei o ventre da minha mãe para ocupar de amor o mundo. Vou precisar deles para compreender o meu lugar, depois do parto. Vou parir ideias, propor comportamentos, entregar sentimentos para aliviar e para unir. Aliviar do peso dos dias difíceis e unir, com a ética do cuidado, os que se desentenderem. Reinaugurar os futuros é o que nós que acabamos de chegar teremos que fazer.
Quero, um dia, entender que até para entender esses escritos precisei ser cuidada. E, para prosseguir entendendo a felicidade, precisarei cuidar. Os sorrisos nascem de jardinagens coletivas. Cada um, em seu tempo, em seu espaço, em seu saber, retirando as pragas e alimentando as vidas que vão brotando e perfumando o mundo.
Nos meus inícios, só farei me alimentar, sorrir, chorar, sentir. Já nasci aconchegada desses sentires. Nasci desejada. Esperada. Celebrada. Assim deveria ser toda a vida. A vida que nasce é uma lembrança de que as chuvas de futuro prosseguem fazendo brotar esperança no mundo. Esperança é mais que espera. A espera foi dentro de minha mãe. A esperança é a herança, que trago dentro de mim, da humanidade de que sou potência para fazer atos que desmintam que nascemos mal ou nascemos nada.
Por isso, se pedir posso, peço paciência. Que não me queiram crescida antes do tempo. Que compreendam o meu necessário brincar. Que autorizem as minhas infâncias e que saibam que a maturidade é tempo que não se antecipa. Saberei que as estações são mais de uma. Que nem todos os dias serão dias de tempos bons. Que nos caminhos haverá ares puros e outros. Que a confiança, sentimento tão bonito, sofrerá abalos. Saberei que os dizeres mais necessários nascerão dos sentimentos que emprestam paz. É de paz que vou precisar para deixar nascer tudo de bom que nasceu comigo.
Nasci em uma segunda-feira. O dia que vem depois do domingo. Alguns dizem que o domingo é o dia do descanso ou o dia inaugural dos dias que se seguem. O dia em que nasci é, segundo os que isso dizem, o primeiro do trabalho. Quero dar trabalho aos que preferem o descanso ao agir que melhora o mundo. Nasci às 6h20 na mais linda cidade. É assim que vou dizer sempre. Nasci mudando, definitivamente, a hierarquia do sentir amor dos meus pais. Agora sou eu a possuidora dos instantes mais preciosos de encantamento. A linda cidade só tem o poder de embelezar os que nela vivem quando autorizamos.
Calma. Ainda não sei o que serei nesse espaço que vou ocupar no mundo grande. Serei. Nasci, Maria Vitória. Maria, do sagrado do nome, do comum de tantas mulheres, algumas cuidadas, outras não. Vitória seria mudar isso. Seria não desalojar ninguém do direito de amar. É o que vou fazer, ainda sem saber o que vou fazer.
Só se preocupem em regar, na medida certa, os alimentos que me darão forças, para fortalecer o mundo do que o mundo mais precisa. É assim que nasce a paz, dentro e fora das vidas que nascem.