A colocação em pauta dos processos a que responde o ex-presidente Jair Bolsonaro pode encerrar um capítulo atípico de nossa história republicana. Deve mostrar o mito como ele é, o papel que exerceu em certo momento da vida nacional, sem os defeitos a ele atribuídos e muito menos as qualidades, que são raríssimas. 
O maior mal que fez ao país foi adotar à sua maneira o “nós contra eles”, inaugurado nos anos PT, gerando impressionante legião de adeptos, em todas as faixas da população, radicais, irresponsáveis e cegos pelo fanatismo. Assim comandou um governo com excelentes resultados na orientação da economia, com programa liberal e pragmático, que estava levando o Brasil, passada a pandemia, a um ciclo virtuoso de muito progresso e com o fator ordem, que foi outro ponto positivo de seu mandato. Sem greves, badernas, invasões e terrorismo ambiental para anular projetos relevantes.
Na sequência de seu primarismo, ignorância e arrogância, construiu com dedicação a sua derrota e a volta de um grupo político que já tinha demonstrado o quanto podia e pode fazer mal ao país. Inacreditável comportamento diante de uma pandemia que matava milhares por semana, assustava a população. Atrasou a compra de vacinas, que só ocorreu quando o governo de São Paulo fez as primeiras importações e começava a fabricar no Butantan, e as desmereceu o tempo todo. Exerceu o seu direito, e de todos os cidadãos, de não tomar vacina, mas não podia nem devia fazer desta atitude uma bandeira. O mundo inteiro estava vacinando, o povo queria vacina, a ciência recomendava vacina e o tosco presidente chegou ao cúmulo de receitar remédios sem apoio científico e no mundo acadêmico mais responsável do mundo. Trocou três vezes de ministro da Saúde durante a pandemia pela sua intervenção pessoal. O sucesso
da vacinação se deve ao SUS e a execução pelos estados e munícipios.
Deslumbrado com o exercício do poder, depois de seis mandatos sem nenhuma relevância que não coerência ideológica, tratou de criar uma crise com o Supremo Tribunal, como instituição, e com os ministros, no campo pessoal. No que não poupou o palavreado chulo que lhe é natural. Com a imprensa foi agressivo, comportamento atípico em político ou governante. A política externa beirou o ridículo, quando não pautada pela grosseria como a de opinar sobre a beleza da mulher do presidente da França; a desconvidar para almoço o presidente de Portugal e insinuar que a pandemia era criação do maior parceiro comercial do país, a China. A vergonha que impôs a todos com a reunião de embaixadores para tratar de tema interno. O fecho de ouro nas trapalhadas foi a visita a Putin, que se preparava para invadir a Polônia. E ainda tentou fazer de um filho embaixador nos EUA. Trágico, não fosse cômico. Agora quer usar do
prestígio de nossa economia para financiar países falidos pelas esquerdas.
Na Educação, área tão relevante, não acertou em nenhum momento ao desfilar polêmicas e escolhas imprudentes – e, quando não, infelizes. 
Seus inconformados adeptos passaram a hostilizar os militares que se mostraram indiferentes a um não reconhecimento dos resultados das urnas. Resultado previsível diante da frente de oposição que construiu e da falta de alianças. Não teve nem vice-político, o que três dos presidentes militares tiveram em pleito indireto e o que seu opositor fez indo buscar um ex-adversário com biografia e que certamente foi fator
decisivo na vitória alcançada.
Impressiona nos que não acreditam na irresponsabilidade do comportamento de Bolsonaro na eleição a não constatação do nível de rejeição no chamado centro-democrático diante dos 38 milhões de eleitores que se abstiveram ou votaram branco e nulo e da diferença inferior a dois milhões de votos no resultado final.
Fraude é desmerecer urnas bem testadas diante do resultado nos principais estados e na composição do Congresso Nacional. Não foi o lula-petismo que venceu, mas Bolsonaro que perdeu.
A democracia e a paz institucional pedem a retirada de cena deste personagem tóxico.
* Aristóteles Drummond é jornalista