O Brasil é um país em que cometer crimes contra mulheres e pessoas negras não resulta na mesma comoção social de quando a pessoa é branca, mesmo depois de o agressor, o criminoso ser condenado pela Justiça. Essa aberração é resquício de uma sociedade criada em cima da escravização de pessoas negras e de uma estrutura familiar patriarcal, machista, em que a mulher é relegada a um papel subalterno. Um exemplo gritante é quando um homem, famoso, ex-bbb, é condenado a seis anos de prisão por estupro e na publicação sobre o caso nas redes sociais, essa “celebridade”, que possui 6 milhões de seguidores somente no Instagram, é ovacionado e defendido por milhares de pessoas.

A publicação, até agora, possui mais de 60 mil curtidas e vários comentários, de pessoas influentes, inclusive, enaltecendo o criminoso como “força, guerreiro”, “eu te amo”, “estamos com você” e “tudo vai dar certo, irmão”. A Nota Oficial, publicada no Instagram, não possui mais acesso a comentários e, por isso, não terá mais defesas.

Esse corporativismo masculino só mostra a força do machismo e como ele ainda é extremamente prejudicial à sociedade. Na nota, a defesa do cidadão fala que soube da decisão pela mídia e que confia na “verdadeira inocência” do homem. Mais uma vez, a palavra de uma mulher violentada é colocada em dúvida quando se fala de um homem branco, com um repertório social vasto, que possui defesas e argumentos contra qualquer tipo de condenação.

Vale lembrar que o caso aconteceu há nove anos, em 2014, muito antes do proeminente “ex-bbb” ser um dos participantes do programa de entretenimento da maior emissora de TV do país. Ou seja, a vítima não queria se aproveitar da fama do rapaz quando ajuizou a ação, que está na justiça paulista desde então. Em entrevista ao G1, a vítima deu detalhes do fatídico 8 de agosto de 2014 e disse que, após uma festa da universidade em que estudavam, estava indo embora de carona com o acusado e em determinado momento ele parou o carro e começou a beijá-la. Ela consentiu a princípio, mas segundo a vítima, ele começou a ficar agressivo e foi a hora que ela quis dar um basta. Mas ele continuou insistindo e forçando, quando começou a penetração.

“Cada vez que eu falava que eu não queria, ele se tornava mais agressivo. Eu comecei a tentar resistir fisicamente, e ele começou a puxar meu cabelo. Começava a me segurar pelos braços, me segurar pela cintura. Ele começou a falar para eu parar de me fazer de difícil, que é claro que eu queria, que agora não era hora de falar que não e começou a forçar a penetração", declarou a vítima à jornalista Giuliana Girardi.

Esse crime faz lembrar tantos outros cometidos contra mulheres no Brasil, e fora dele, e que ficaram impunes, como de um famoso ex-jogador, também condenado por estupro, que debochou da justiça, falando que “não daria em nada”, e realmente não deu. Me faz lembrar que a cada 7 horas uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil, totalizando 1.341 vítimas em um ano. Que somos o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. Que somente em 2021, foram 66 mil registros de mulheres vítimas de estupros no país.
Enquanto houver uma comoção social, por vezes vindo de mulheres, colocando as vítimas em dúvida, continuaremos com esse show de misoginia, apoiando um ser humano capaz de violentar mulheres e seguir com a sua vida como se nada tivesse acontecido. Isso é estarrecedor.

*Tainá de Paula é arquiteta, urbanista e ativista das lutas urbanas. É especialista em Patrimônio Cultural pela Fundação Oswaldo Cruz e Mestre em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, é vereadora licenciada e ocupa o cargo de Secretária de Ambiente e Clima da Cidade do Rio de Janeiro