Claudia Mello Braga. Médica e secretária de Estado de Saúde do Rio de Janeiro Divulgação

Celebramos no Natal o nascimento de Jesus, parto de especial importância para a tradição judaico-cristã, que evoca alegria que reverbera em todos os partos e na sociedade. Mas, após a euforia do parto, inicia-se na vida da mulher o período nebuloso chamado puerpério, com a volta das modificações gravídicas, com forte alteração hormonal com a saída da placenta. E não é só isso. É hora de mudanças biopsicossociais. Há ressignificação nos papéis sociais das mulheres, com repercussão até na percepção de si. Ela deixa de ser filha de sua mãe ou esposa do marido para ser mãe.
Essa adaptação abrupta a novos arranjos afetivos pode causar angústias e sensação de inadequação ou incapacidade, às vezes associada a melancolia, que afeta metade delas após o parto, no chamado blues puerperal. Em época de cansaço extremo, privação do sono e flutuações hormonais, elas apresentam instabilidade emocional, ansiedade, irritabilidade, tristeza, falta de energia, mudança de humor e vontade de chorar. Felizmente menos frequente, mas ainda mais importante, é a depressão pós-parto (e o dramático quadro de psicose puerperal).
Esses sintomas acentuam-se e ganham novos matizes, com tristeza, perda de interesse por atividades apreciadas, fadiga excessiva, dificuldade no relacionamento com o bebê e pensamentos de automutilação, suicídio ou infanticídio, afetando o cuidado consigo e com o bebê. Sensível a isso, o Congresso aprovou em novembro de 2023 a Lei 14.721, que prevê assistência psicológica a gestantes, parturientes e puérperas. Nossas maternidades estaduais já oferecem assistência psicossocial, restando levá-la aos 92 municípios. Contamos, para isso, com a sensibilidade de gestores e profissionais de saúde. Para tal, a área técnica da Saúde das Mulheres da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro faz periodicamente seu Fórum de Saúde Mental Perinatal, com grupo de trabalho que inclui profissionais da Fiocruz e de outras associações que tratam da saúde mental materna.
Mesmo que alterações psíquicas afetem mulheres na gestação, no puerpério ficam mais intensas, pois são muitos desafios. Começam com o aleitamento, visto como instintivo, mas que exige técnica e apoio para suprir a demanda de alimentar o bebê. A disponibilidade que o aleitamento exige e as dificuldades iniciais são fontes das maiores angústias. Por isso, é preciso, já na maternidade, que grupos de promoção do aleitamento deem orientação e suporte às nutrizes. Outro desafio é gerenciar a casa. Em especial para as sem rede de apoio ou em vulnerabilidade, equilibrar funções com a maternidade pode romper o frágil laço da sanidade. Parcerias devem ajudar na manutenção da casa e no cuidado com a criança.
E ainda há a pressão para a volta às atividades sexuais. Embora recomendado resguardo sexual por penetração por 40 a 60 dias, não são incomuns casos de estupro marital, notadamente quando há abuso de álcool e outras drogas. Além de o puerpério ser fase de menopausa transitória, com ressecamento vaginal e diminuição da libido, a rotina de cuidar de ser completamente dependente torna inoportuna a urgência sexual do parceiro.
Como indutores da política de saúde das mulheres, avançamos na abordagem holística de gestantes, parturientes e puérperas. Vamos qualificar mais nossas maternidades para a escuta obstétrica ativa, ajudando na construção de redes de proteção à saúde mental desde o pré-natal, passando pela assistência ao parto e ao puerpério. A atenção primária à saúde, porta de entrada e ordenadora do cuidado no SUS, é essencial. Mas precisamos do apoio de todos para proteger a hora mais singular da existência: a manutenção, saudável, da cadeia da vida, que se dá no nascimento e na perpetuação de nossa espécie.
Cláudia Mello Braga, médica e secretária de Estado de Saúde do Rio de Janeiro
Antonio Braga, médico e coordenador estadual da Saúde das Mulheres do Rio de Janeiro