Temos a obrigação de impedir o fim da política. A civilidade acabou. Há tempos a Câmara dos Deputados virou espetáculo do ódio. O espaço, que deveria ser do bom debate, agora é palco do extremismo político. E, na semana passada, fomos testemunhas do auge de toda essa violência na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDH). Ao nosso lado, a deputada federal Luiza Erundina — referência máxima, exemplo de ética e compromisso com o povo —, após fazer um discurso potente sobre as vítimas da ditadura militar, perdeu o ar e teve que ser internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital Sírio Libanês.
Erundina está bem, mas o show de horrores — que antecedeu o mal-estar da nossa guerreira de quase 90 anos — foi grande. Aos gritos, disseram que o deputado Ivan Valente deveria sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) e que eu deveria ser agarrada por Jair Bolsonaro. Desrespeitaram o luto da deputada Sâmia Bomfim e de sua família; rasgaram a roupa de um agente do Departamento de Polícia Legislativa (Depol); e agrediram a deputada Erika Hilton com um ataque transfóbico. Não é possível que essas barbaridades continuem acontecendo.
Não posso negar que já tive vontade de desistir da política. Fui a vereadora mais votada da minha cidade, Niterói. Durante esse período, entre 2016 e 2018, passei a receber ameaças de morte. Sofri — e ainda sofro — com o assassinato da minha irmã Marielle Franco. No meu primeiro mandato federal, os ataques se intensificaram e passei a ser acompanhada por escolta. Tive que deixar minha casa com minha família para morar em Brasília por um período e, dessa forma, garantir minha segurança após sete denúncias de ameaças de morte. Até hoje sou assistida 24 horas pela Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados.
Sou mãe de dois: Moana Mayalú e Kaluanã Sol. E minha maternidade também foi comprometida pelo ódio político. Na gestação da Moana, que completa 4 anos, os agressores sugeriram que eu abortasse minha filha. Em 2022, a ex-deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB) também foi duramente ameaçada de morte e estupro. Os ataques também incluíam sua filha Laura, com 6 anos na época. Isso mostra que — como Manu mesma disse — “ser mulher pública é ser ameaçada”. Os ataques contra sua família a fizeram desistir de concorrer ao Senado Federal.
E, como se não bastassem os ataques nas ruas, redes sociais e telefonemas, também sofri ataques racistas como “volta para a senzala”, “negra nojenta” e “volta para a favela” dentro do Congresso Nacional. Lembro que, uma vez, fui constrangida por uma deputada quando era líder do PSOL e deixei a coletiva de imprensa para chorar. A deputada Benedita da Silva — outra grande referência política — foi atrás de mim, me abraçou e perguntou quantas vezes eu achava que ela havia chorado sozinha lá. Ela pediu para eu enxugar as lágrimas e assumir o meu lugar. E, assim, Benê voltou comigo de mãos dadas para a coletiva. Nesse momento, aprendi na prática a máxima Ubuntu: eu sou porque nós somos.
Às vezes, nós queríamos ter uma vida normal, assistir a um show no meio da multidão e não pensar na segurança. Minha vida poderia estar mais tranquila se eu não fosse um corpo no parlamento. Mas quando eu penso no crime da Marielle e em como a violência afeta as mulheres, sobretudo negras, ocupar espaços políticos é a única alternativa. Certa vez, Erundina me disse que o parlamento é "o túmulo dos revolucionários" e que a gente deve lidar com ele sabendo dos perigos.
Nós temos obrigação, também por tudo que Erundina entregou e entrega ao Brasil, de resgatar a política. De resgatá-la e entregá-la ao povo. Temos obrigação de seguir consolidando a democracia no Brasil, esse país ainda tão desigual. O lugar que é o coração da política brasileira não pode decretar o fim da política. O que será da democracia sem a política? Estamos abalados com o que aconteceu com Erundina e com o que tem acontecido com a política brasileira. Mas acreditamos na força do povo, na ciência e no amor. Desistir nunca será uma opção!
* Talíria Petrone é deputada federal (PSOL/RJ), coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) do Clima da Frente Parlamentar Ambientalista e vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher