Paulo Rosenbaumdivulgação

Se o senso comum determina que o oposto de certo seria o errado, tenho pensado numa outra hipótese. Dizem que a incerteza é a mãe de toda curiosidade. Para uma sociedade premida pela expertocracia e pela incessante demanda científica por evidências, essa é uma daquelas palavras-tabu, mesmo despois de Heisenberg ter formulado o principio da indeterminação. E ela não se encontra só. Sob o mesmo status estão outras, por exemplo imprecisão, indeterminação, o insondável. Todos estes vocábulos tendem à execração e ao descrédito. Admitamos que há em todos nós uma certa aversão, vale dizer um horror pelo imponderável, na mesma medida que temos um apreço quase inversossímel pela precisão e pela certeza absoluta. Tudo isso a despeito de que o inapreensível do mundo seja muito mais frequente do que o peremptório. Afinal, como se sabe, a ciência tem muito mais perguntas do que respostas.
Como judeu e adepto da ideia de que Israel é o lar para aqueles que se identificam com uma nação que ostenta os valores judaicos prescritos pela cultura e tradição, cuja origem histórica pode ser remontada a 3.000 anos, também conhecida como idish kait, talvez precisaria e devesse explicitar meu conflito de interesse ao enunciar o que estou por enunciar. Isso não significa que não me pergunte se tudo poderia ter sido conduzido de uma outra forma em relação ao atual conflito em Gaza. No entanto, votei pela dispensa de formalidade para explicitar o tal conflito de interesse, considerando o que, com raríssimas exceções, tem sido observado na conduta da mídia mundial.
Mais precisamente depois do 07 de outubro.
Hoje parece haver uma central única de jornalismo, particularmente quando se trata do assuntos relacionados a Israel e os seus habitantes atuais e futuros. Esta rede de comunicação vem desprezando um paradigma elementar: o da autocrítica. Boa parte da imprensa vem escolhendo suas manchetes e testeiras esquecendo de um detalhe fundamental. Uma prerrogativa que antes parecia consensual entre os veículos de informação confiáveis: trazer para seus leitores e telespectadores uma concepção de verdade razoavelmente aproximada aos fatos. Isso significa buscar aprofundar o aspecto crítico e analítico em detrimento do viés ideológico e sensacionalista.
Pois bem, recentemente o supremo Aiatolá da Pérsia, atual Irã, fez uma declaração publicada em um post nas redes sociais em 31 de maio — sim ele tem uma conta preservada no X. Ali ele pode escrever o que bem entende, ainda que haja bem mais do que uma objeção ética ao seu discurso que frequentemente instiga o ódio, a violência e conclame extermínio de um povo. Nesta publicação o chefe da teocracia agradeceu os estudantes e colaboradores dos EUA que fizeram mobs e acampamentos conclamando intolerância e violência antissemitas nos campi universitários. Os pacifistas do porrete fizeram vigílias entoando slogans clamando pelo extermínio dos judeus e de eventuais “infleis” de outras orientações políticas e religiosas.
Em seu comunicado Khamenei os elogiou ‘por estarem do lado certo da história’.
Proponho um teste de hipótese: será este de fato o lado certo da história?
Ainda não fiz uma análise minuciosa de como a imprensa mundial se comportou no inicio da ascensão dos nazistas na Europa nos anos 1930, mas suspeito que agora um erro muito semelhante esteja sendo cometido. Um erro que pode se tornar criminoso se insuflar, ao velho modo dos libelos de sangue, as massas contra comunidades e minorias. E isso já está ocorrendo. Do anúncio mentiroso e desinformador de que houve um ataque com um míssil contra um hospital em Gaza aos números de vítimas civis fornecidos pelos mesmos extremistas fanáticos que voluntariamente não apenas massacram covardemente civis, mas especialmente usam sua própria gente como bucha de canhão. Hoje as investigações mostraram que o ataque foi resultado da falha de um míssil disparado por proxys iranianos, a Jihad Islâmica. Foi este artefato que atingiu o estacionamento do hospital El Shifa. Esta pequena desinformação instrumentalizada custou tanto o cancelamento de rodadas importantes de negociação de paz como mobs de linchadores dispostos a dar cabo de tripulantes de um avião da El Al no Daguestão, Rússia. Mais recentemente depois de notícias que inflacionaram o número de vítimas civis, judeus hospedados em hotéis na Grécia foram perseguidos e quase linchados. Uma sequência de eventos que estariam cronologicamente melhor alinhados com os éditos medievais europeus ou com a inquisição espanhola.
Bem, toda essa avalanche de desinformação potencialmente produtora de tragédias contra inocentes não parece ter provocado escárnio mundial, indignação de governos ou textos e editoriais condenando o regime da guarda revolucionária, uma conhecida e sanguinária tirania de inspiração totalitária.
A ONU, sob a tutela de Guterres, que abusa de seus critérios parciais, por exemplo, parece endossar a aberração do libelo teocrático.
Então me permito perguntar... Se o regime que patrocina os inimigos da humanidade em pelo menos quatro países – Iraque, Síria, Yemen, Libano -- e subsidia grupos que desejam desestabilizar o governo em outros países, como por exemplo na Jordânia. Se as mulheres sofrem repressão com penas variáveis que incluem chibatadas, humilhações, torturas públicas e espancamento. Se os adversários políticos, particularmente os partidos seculares e do campo da esquerda estão presos e so frequentemente torturados e mortos. Se os partidos são controlados por uma agremiação de inspiração teológica que determina quem pode ou não concorrer aos pleitos, portanto muito distante de um estado democrático de direito. Se o presidente morto recentemente em um acidente de helicóptero era mais conhecido como “o açougueiro de Teerã” Se todos estes elementos acima são exemplos, e para muitos constituem o lado certo da história, fica a duvida se afinal o lado incerto seria uma escolha tao equivocada.
Um último exemplo acaba de acontecer quando as forças de defesa de Israel resgataram 4 reféns que estavam sendo mantidos há 245 dias em cativeiro por um fotojornalista e seu pai, um médico. Ambos membros da organização que praticou a chacina em 07 de outubro. Notem que a modalidade jornalista-sequestrador mostra como recentemente as profissões se tornaram ecléticas. A maioria dos telejornais do mundo deram o furo da seguinte maneira: reféns liberados.
O uso de uma palavra no lugar da palavra que deveria ser a mais adequada muda totalmente o contexto, e, portanto, a interpretação. Neste episódio o mais importante é constatar que a filosofia da desinformação está na linguagem dos enganos bem estudados das mídias: a palavra seria resgate, não libertação.
Mais um motivo para fazer um contraponto: o elogio do incerto.
* Paulo Rosenbaum é escritor e médico