Começo explicando o incorreto de conclusões tão apressadas. Não se julga um livro pelas primeiras frases, não se conhece uma floresta pelas árvores que se avistam na chegada, não se decide sobre alguém no primeiro encontro.
Encontrei Alceu.
Era um dia despretensioso com um sol sem prontidão para algum calor. Alceu veio com João, amigo de há muito. João fez uma apresentação um pouco desajeitada , olhou para mim e lascou: “Você se lembra do Alceu”?
Sorri os instantes necessários para um prosseguimento de informações ou alguma lembrança, até então, falha. Foi de Alceu o dizer ausente de dúvidas. “Claro que sim, estivemos juntos no casamento de Daniela”.
Piorou. Quem seria Daniela? João ajudou, “Quando foi?”. “O ano passado, em Capri”. Então tomei coragem, “Não estou conseguindo me lembrar de quem seria Daniela, mas eu sei que nunca estive em Capri”. Alceu é dos que teimam, “Claro que esteve, no ano passado”. E João ajudou, “Você deve ter esquecido”.
Não há registro em mim desses esquecimentos. Decidi o silêncio e o pedido do café. “O café da Alemanha é o melhor do mundo”, disse Alceu. João concordou afirmando ser novidade para ele. Prosseguiu dizendo impropriedades sobre o pouco preparo dos garçons. Não gostei. E, ao defender, fui interrompido. Pedi desculpas ao garçom.
Súbito, resolveu falar sobre educação. Alceu disse que a educação na Finlândia não era tudo isso. Eu perguntei se ele era professor. Ele disse que não. Se conhecia a Finlândia, também não. Eu disse nada.
Sobre política, falou de um governante latino-americano que era seu ídolo. O melhor dos presidentes. Eu quis saber quem era. Alceu lembrou-se do país, mas não do nome do ídolo. João concordou com o não sabido, dizendo que nem todo mundo guarda todos os nomes.
Eu já havia terminado o café e queria dizer as despedidas, quando João falou sobre um convite para ir a um teatro ver um grande cantor brasileiro. Alceu disse que achava o cantor com um ritmo desanimado. O meu silêncio com o menear da cabeça encorajou João, pela primeira vez, “Quando foi a última vez que você foi ao show dele?”. “Nunca fui”.
Eu, então, fui dizendo algum ‘muito prazer’ propositadamente. E ele disse, “Está vendo, você está esquecido, lembro inclusive de Lívia, que estava com você, a escritora”. “Você quis dizer Lygia?”. “Que seja”, disse Alceu e prosseguiu “Agora se lembrou, finalmente?”.
Eu nunca me esqueci do nome de Lygia e o fato de que nem com ela ou sem ela estive em Capri. Mas nada disse. Ainda durante o café, Alceu discorreu sobre o quanto as mulheres têm interesse nele. Soltou alguns dizeres absurdos sobre usar e descartar.
Achei Alceu feio. Permitam o desabafo. Rosto mal arranjado. Cabelos pintados de um caju enriquecido de um gosmento gel. Sobrancelhas aprumadas. Dentes exageradamente brancos. Roupas com marcas em exposição. Mas, segundo ele, por exalar masculinidade, podia escolher. Falou ainda do dinheiro em excesso e do pouco apreço ao trabalho. “Trabalhar é para quem precisa” foi o epílogo daquela tarde com sol sem calor.
No caminho de volta para casa, agradeci o som do silêncio e o dizer bonito das paisagens. A feiura de Alceu não é física. Ou é. Mas da ausência da física dos encontros ou da química da humildade. Fiquei tentando entender João cortejando Alceu. Apesar de nos conhecermos há muito, eu pouco admiro seu deslumbramento diante de quem ostenta dinheiro. Eu prefiro a felicidade simples dos que simplesmente tomam o café e compreendem o simbólico do que faz com que a fumaça suba para o alto.
Aquecido com a solitude, cheguei em casa.