O dia demorou a dizer. O relógio já explicava o amanhecer e o amanhecer não amanhecia. Tampouco em mim.
A janela, feita para o acordar com o sol, estava aberta e eu nada via. Vi, em mim, tantos sentimentos. Foi como uma conferência da saudade.
Há fotografias espalhadas nos cantos que dão acesso à janela. Os meus mortos nunca morreram em mim. Ouço a voz do meu pai. A voz que dizia honradas atitudes. A voz que amainava os calores provocados por discordâncias entre nós.
Éramos em muitos filhos e mais os primos. E a casa grande tinha grandes barulhos. A voz do meu pai silenciava. A voz do meu pai dizia vida naquela vida comum. Olho sua foto e ouço "filho" e o complemento. Ouvir "filho" acalma a demorada chegada do sol.
Meu avô, pai de minha mãe, foi um ensinador de resistências. Sofreu sofrimentos com a altivez dos que plantavam a terra e os valores corretos. Sou colheita. Não negligencio os sinais que me orientam a não desviar da rota, mesmo quando os atalhos parecem fazer chegar antes.
Chegar antes por quê?
Chegar antes onde?
Já corri a corrida insana de provar que poderia vencer. Já estacionei o dia, explicando a mim mesmo que vencer é desocupar a mente e os sentimentos da necessidade de vencer.
A saudade traz o sorriso da minha mãe. Outra foto. Dentro e fora. Ela e meu pai. E os olhares. E o beijo próximo de ser beijado. Se fosse filme, eu poderia ver o beijo. Há o filme em mim. O filme da infância. A mesa da família onde as refeições eram feitas. As conversas sobre as grandes virtudes.
Minha avó gostava de nos fazer comer além do necessário. Sorria a satisfação de nos oferecer alimentos. Ofereceu a vida toda para exercer o ofício do cuidar. Era mais alta do que meu avô.
Os que trabalhavam em casa eram da casa. Havia a Rosa que, antes do anoitecer, nos contava histórias. Era inventadora de causos que causavam medo. Minha mãe ralhava com ela. "Depois eles não dormem".
Às vezes, não dormíamos mesmo. Eu achava Rosa de uma valentia indescritível. Ela não temia a noite. E saía pelo quintal afora sem se preocupar com os seres que acordam quando dormimos.
O café nos cheirava antes. A mesa tinha os pães feitos em casa, os bolos, as frutas, algumas do pomar. E, depois, a escola. E, depois, a volta para casa. Havia as escadas e no alto delas o abraço de mãe. Prolongado. Festivo.
Dias de poesia eram aqueles. Eram dias em que o sol nunca tardava. Nunca. Nem quando chovia. Nem quando as nuvens inventavam algum pretexto para não ventar.

E havia as férias. E as viagens para a casa da praia. E as histórias que meu pai contava, enquanto dirigia. E o silêncio que obedecia à curiosidade de saber o que aconteceria com as personagens que ele inventava.
Minha mãe acordava antes para cozinhar o que comeríamos na praia.
Eu gostava de imaginar até onde o mar poderia nos levar. Nas suas águas. Nas metáforas do quão pequeno somos na imensidão de tudo o que há.
E havia a oração em família. Meu pai era um devoto do sentimento da gratidão. Orar é agradecer. O que precisamos Deus sabe, não precisa pedir. É o que ele dizia. Minha mãe era dos pedidos. Achava que não custava lembrar a Deus. Meu pai argumentava, dizendo que Deus não precisa das lembranças. Nós é que precisamos. Precisamos mesmo.
Quando se foram, a ausência causava dor. Hoje, causa gratidão. Quantas histórias lindas desenhando a história que sou. Com os tropeçares todos. Com algumas noites prolongadas. Com algumas despedidas não autorizadas.
Fosse eu o autorizador, estariam todos aqui. E nos sentaríamos juntos para o café cheio de vozes. Ouço as vozes todas nessa conferência da saudade e ofereço ao sol, que acaba de chegar, minha sincera gratidão.