Sou caminhante que caminha os caminhos que precisam ser caminhados. Não sei o fim. Mas sei o fim.
Não tenho pressa de chegar. Tenho pressa de compreender que não posso desperdiçar o caminhar. No caminhar, as aprendizagens. No caminhar, os amanheceres.
Amanheço, todos os dias, orando para que eu nunca me esqueça de quem eu sou. A oração da memória.
Em mim, há a memória do caminhante. No caminho, há caminhos que não me cabem. Há atalhos que desobrigam o caminhar correto, não posso, não devo. Há paragens enganadoras.
No caminho, há o encontro de outros caminhantes e há os risos de felicidade e os silêncios de atenção. A oração do respeito.
Não sou caminhante solitário, embora solitário também seja. Sou ocupante de um tempo e de muitos espaços no caminhar. Desde os inícios, os aconchegos ofereceram lições a mim.
Não nasci pronto. Nasci pronto para aprender a caminhar. Para aprender a caminhar, precisei de outros caminhantes. Preciso de outros caminhantes.
Não nasci vazio. Nasci vazio de descaminhos. Não devo autorizar que me sequestrem o que de melhor eu tenho, o ser caminhante.
Vejo os que pararam o caminhar e se enfileiraram com as pedras nas mãos para o causar dor. As dores que autorizo são as dos meus pés cansados ou das minhas mãos estendedoras de afetos aos que atingidos caíram. A dor do outro dói em mim. O outro sou eu, também. E eu também sou o outro. Embora eu seja eu e o outro seja o outro.
Na poeira do caminho, a luz dos amanheceres. Na poeira do caminho, o luar e os cansaços e as pausas e os recomeços.
Senhor Deus, sou caminhante crente no humano caminhar. Por isso, educo. A mim e ao mundo no fim do caminhar. O fim, já disse, não sei. Não sei quando acaba. Não sei como acaba.
O fim, já disse, sei. A finalidade do caminhar. Caminhar. Caminhante que sou, sei que as paisagens me dizem, se eu ouço; que me mostram, se eu vejo; que me alimentam, se eu sinto. Por isso, a oração do amor.
É o amor o motor que move os caminhantes. Sou caminhante. É o amor que me traz a memória de quem eu sou. É o amor que pronuncia em mim as palavras que devem ser pronunciadas na oração do respeito. Porque o outro sou eu, também. E porque eu também sou o outro. Embora eu seja eu e o outro seja o outro.
Senhor Deus, sou caminhante.
E, nos caminhos do amor, eu digo poemas. Poeiras de poemas são mais inspiradores do que poeiras de vozes que gritam. Os que gritam estão parados, esqueceram o caminho. Digo poemas, mesmo no silêncio. No silêncio, quando oro a oração da memória, a oração do respeito, a oração do amor.
Não sei o fim. Mas sei o fim. O que não sei é o que será depois do fim. O que sei é que o fim do caminhar é o caminhar amando. É essa a memória que não posso esquecer. A memória que me diz que, sem amor, nenhum caminhar é certo. Nem belo. Nem justo. Nem bom. Bom é respeitar e ser respeitado.
Sou caminhante como todos os outros.
Sou caminhante único, diferente de todos os outros.
Sem pausas, prossigo amando irmãos meus, amando o caminhar. Sem pressa de chegar.
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