Eu era criança e gostava de ouvir as histórias que minha avó contava.Minha mãe dizia que nem todas eram verdadeiras. Para mim, eram. Para mim, são.
Acontecidas ou não, elas eram como arco-íris enfeitando os céus da minha alma.Dizia minha avó de uma mulher de nome Esperança. Uma parteira.Ela morava em uma casa azul que ficava muito próxima ao rio que cortava a cidade.Quando minha avó dizia, parecia haver uma nostalgia em seu olhar distante.Que sentimento lindo é a saudade!
Esperança não teve filhos, deu filhos à cidade, muitos.Era uma mulher de beleza única, dizia minha avó. E de dizeres econômicos.Seu silêncio se misturava às pausas que o dia dava depois do pôr do sol. Ou à noite.
Esperança entendia de amanheceres. Entendia da luminosidade própria de todo ser humano.Dar à luz, trazer luz ao mundo, acalmar as dores antes do parto, parir.
Grávidas de amanhãs. Amanhãs a serem construídos entre choros e risos. Entre o limpar e os afagos. A fotografia da mãe com a criança ainda sem estantes de palavras ou de compreensões. Não que as crianças nasçam sem nada. Nascem fontes dos percursos que alimentarão de amor o mundo.
Esperança dizia dos cuidados nos inícios. Do necessário ensinar respeitando os tempos. O parir vai além do corpo físico, tão indefeso. É de alma que espera a humanidade. Que compreenda o que não é apenas matéria. O que vai além.
Na casa azul de Esperança, um pequeno lago e algumas pedras. Pequenas, também. E algumas cadeiras simples ao redor do lago e uma mangueira protegedora de dias mais quentes. Era ali que ela podia ser vista em seus sonhos diurnos.
A casa azul era para receber as vidas que ainda viriam. As mães grávidas sentavam e conversavam com Esperança. E ela ensinava o amor antes do nascer. Os carinhos necessários. A felicidade de trazer novidade ao mundo.Dos dizeres de Esperança, a oração bonita sobre a vida que nasce, quando nasce uma criança. Sobre Deus soprando novamente felicidade no mundo.
Escrevia alguns poemas aquela mulher. Poemas simples. Poemas de confiança de novos nascimentos. Fazia bolos, também. O fermento crescia a massa que alimentava, enfeitada de coberturas doces, os famintos.Somos todos famintos. Há fomes que não se saciam com os doces nem com os salgados. Há fomes mais profundas. Que nascem com as crianças e que, nos percursos, explicam a vida.
O pôr do sol, o arco-íris, o rio limpo da minha cidade, a montanha tão serena, o som dos pássaros e uma gata que gostava do colo da minha avó são, também, alimentos.
Nas cadeiras, diante do pequeno lago, Esperança queria saber o nome escolhido para a vida em espera de nascer. O nome é escolhido por alguém, o que vem depois escolhe esse alguém.
Escolher a esperança é escolha acertada. É agradecer os dias passados e abrir as portas para o futuro poder ser.
Havia flores no jardim da Esperança. E havia o olhar bondoso daquela mulher, parteira de vidas, dizendo às flores a sua beleza.
Na cidade da minha infância, sempre havia um galo cantando o amanhã, ainda antes do sino da Igreja nos relembrando o sagrado.Minha avó dizia que o alimento da vida interior estava na oração. Era bonito ver o seu semblante de paz, quando ela conversava com Deus. Quando penso em minha avó e penso naqueles dias, penso no bom que é estar em casa.
O mundo é uma grande casa.Quando esta casa está grande demais, é preciso olhar para dentro. Dentro, onde moram as histórias que nos trouxeram até aqui.Minha avó dizia que o bonito da Esperança era que ela não esperava nada para si mesma.O nome diz a semântica. Em tempos de tanto egoísmo, ajudar vidas a nascerem é a profissão mais bonita que há, em qualquer profissão.
O lago daquela velha amiga da minha avó não era um lago para ela contemplar a própria imagem. Era um lago para acalmar as vidas que haveriam de nascer. Cada uma do seu jeito. Em comum, o choro e o futuro. Cada uma com a sua escolha de futuro. Em comum, o alimento mais alimentador de qualquer amanhã, o amor.
O amor que nos faz ver as rosas, os amanheceres e os entardeceres e os ontens acarinhados pelas histórias que nos contaram e os amanhãs que ainda podemos fazer nascer. Grávidos estamos todos nós. De esperança, espero eu.