Algum olhar sobre algum olhar
Era uma sala de concerto.Era um maestro e uma orquestra e um músico solando uma música com seu instrumento.
Era uma sala de concerto.Era um maestro e uma orquestra e um músico solando uma música com seu instrumento.
As mãos de um maestro sempre são instigantes. O movimento que diz o movimento. Que diz o compasso, a velocidade e até a suavidade.
Era um dia suave aquele da sala de concerto.E, então, entrou o solista. E, com ele, os aplausos. E, com ele, o medo. Medos fazem parte dos que se apresentam em orquestras. Dos que se apresentam à vida.Medos podem ser sentimentos protetores. Ou podem ser paralisantes.
O solista e o seu instrumento eram aguardados. Somos aguardados no desempenhar a vida.O maestro recebeu o solista. E, então, fez com as mãos, com o corpo, os movimentos para movimentar a orquestra.Foi quando o medo do solista o deixou titubeante. Visivelmente titubeante.Foi quando o olhar do maestro olhou com tanta cumplicidade para o músico.Que poder tem um olhar!
Era como uma pintura aquele olhar. O experiente maestro e o jovem músico.O seguro maestro, depois de tantas inseguranças da vida, segurou com o olhar o seu pupilo.
O olhar medroso do músico foi se transmutando. Uma das mãos do maestro segurava a batuta. A outra em posição de dizer à orquestra. As duas mãos, entretanto, pareciam segurar, no colo dos afetos, o solista.As duas mãos significavam o maestro inteiro. O maestro inteiro estava no olhar.Os olhares. E, então, a impecável exibição do solista.
Aquele olhar olhou em mim outros olhares.Quantos medos nos solos que precisei solar em minha vida. Em dias de sol e em outros dias também.Quantas ausências de olhares. Sozinho, já me perdi. Sozinho, já desacreditei de mim.
Maestros são mestres que conduzem os sons para o conserto das emoções.Um jovem desconsertado e um maestro ciente do seu ofício e afetuoso e os aplausos.
Conserto a mim mesmo todos os dias. É o que acredito creditando aos maestros que regeram partes da partitura da minha vida a confiança.Ser humano nenhum sola o existir sem a confiança de outro ser humano.
Uma orquestra precisa de duas afinações da alma. Uma é o vínculo entre os músicos. E a outra é a música, inspiração para o aprender, para o prosseguir. Vínculos e tema. O vínculo nos afina a existência, nos faz fazer parte. Nos coloca no palco ao lado dos outros. Nos faz consertar os sons para o concerto da vida. O tema é o tema para viver. Nenhum músico vive sem tema. Nenhum vivente vive sem tema.
Não poucas vezes relembrei a mim mesmo o tema do viver. Educar é o que me move, é o que me comove. Escrevo para educar. Falo para educar. Silencio para educar. Educo porque acredito nos solistas. Inclusive, nos que têm medo. Todos temos. É preciso apenas um olhar para a confiança dizer que a música está ali, pedindo para nascer, que a vida e as suas tantas possibilidades estão ali, pedindo para nascer.
Nascemos muitas vezes depois do nascimento. Vez em quando, morremos. Algumas mortes são necessárias para as necessárias vidas nascerem.
Naquele dia na sala de concerto, o solista só solou lindamente porque um maestro, atento, percebeu os seus medos.
Desatenções são impedidoras de bons concertos nas salas em que vivemos.Vivemos uns para os outros. Para orquestrar com a natureza os sons que emanam dos humanos.Os sons que emanam dos humanos, quando atentos, são sons que harmonizam a vida como a vida em natureza.
O dia em que saí da sala de concerto, ainda tive tempo de passear por um parque com uma amiga e de contemplar o lindo do estar vivo ouvindo sons consertantes.
Fiquei pensando no Maestro Primeiro olhando, por primeiro, um pássaro cantador. Pensamentos também consertam para o concerto da vida.Vendo o meu olhar, que olhava fora, que olhava dentro, minha amiga sorriu.
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