Allan BorgesDivulgação

A busca por parâmetros que transcendem o desempenho econômico é uma constante nas organizações que aspiram relevância e legitimidade social. Entre os conceitos que emergem com força nesse novo campo de entendimento, a saúde social corporativa se configura como uma dimensão ainda não plenamente codificada, mas profundamente relevante para a compreensão da dinâmica entre capital, trabalho e sociedade. Mais do que um conjunto de práticas formais, uma forma de ser, uma nova maneira de operar e existir no mercado, que alinha produtividade e ética, em um concerto entre resultados e justiça.
A ideia de saúde social corporativa não deve ser meramente confundida com a já sedimentada responsabilidade social corporativa (RSC). Se esta última funciona como um espectro de práticas tangíveis e visíveis, voltadas para o impacto externo de uma organização, a saúde social corporativa submerge mais profundamente na esfera da ética organizacional, não só sobre o que a empresa faz, mas sobre como ela funciona como organismo social. Trata-se de um conceito que expande as fronteiras do próprio capitalismo, realocando o foco da produtividade para uma experiência corporativa interna e externa mais equilibrada, justa e sustentável.
Neste sentido, reconhecer os sintomas da saúde social numa corporação não é tarefa fácil, pois envolve não apenas indicadores quantitativos, como lucros e benefícios sociais, mas a habilidade de perceber a ordem ética invisível que rege o comportamento e as escolhas organizacionais. A empresa que manifesta esse “bem-estar corporativo” não apenas equilibra os interesses dos stakeholders; ela vive, em seus processos cotidianos, uma espécie de ética implícita, fluida, que permeia o comportamento dos líderes, empregados e mesmo dos processos decisórios.
Aqui, nos deparamos com uma inversão conceitual que remete à teoria das capacidades de Amartya Sen e Martha Nussbaum. Esses pensadores nos oferecem uma lente nova e potente para enxergar a empresa além de suas métricas tradicionais. Sen sugere que o verdadeiro progresso não está simplesmente na acumulação de riquezas, mas na expansão das liberdades e capacidades humanas. Nesse sentido, uma empresa não pode ser considerada saudável apenas por seu balanço financeiro, mas por sua capacidade de criar um espaço em que as pessoas possam florescer — onde o trabalho é uma expressão de dignidade, e não uma necessidade forçada. Nussbaum, por sua vez, amplia essa visão ao nos alertar que qualquer organização, ao se limitar a uma lógica puramente instrumental, aliena o que há de mais essencial no ser humano: sua busca por significados que transcendam o imediato.
Um dos principais sintomas da saúde social corporativa está em seu capital humano. Aqui, o conceito se desdobra em práticas que, à primeira vista, podem parecer triviais ou repetitivas no debate empresarial – como a valorização do bem-estar dos empregados –, mas que, em sua essência, revelam uma profunda reconfiguração da relação de poder entre empresa e funcionário. Organizações que exibem saúde social não apenas proporcionam ambientes de trabalho saudáveis; elas fazem da qualidade de vida uma premissa de seu modelo de operação, em uma ruptura clara com o paradigma exploratório do trabalho.
Outro sinal que escapa ao óbvio é a presença de uma transparência radical, onde a informação circula livremente entre as camadas hierárquicas, em um fluxo que mais se assemelha à dinâmica biológica do que às engrenagens da tradicional gestão piramidal. Neste contexto, não há espaço para uma ética da manipulação ou da instrumentalização de resultados. O foco está na coesão interna que, em última instância, alimenta a produtividade como consequência, não como fim em si mesma.
A empresa não é um corpo autossuficiente; ela é um organismo que depende do intercâmbio constante com o ecossistema social ao qual pertence.
Quando pensada desta forma, a saúde social corporativa abandona qualquer noção de paternalismo corporativo – onde a empresa atua como "benfeitora" de sua comunidade – para adotar uma postura orgânica, em que o sucesso empresarial e o bem-estar social são interdependentes. Ela se torna um ator político, não no sentido de poder coercitivo, mas no sentido ético de agir para além dos interesses próprios.
 
* Por Allan Borges
Executivo ESG da CEDAE
Doutorando em Direito pela UERJ
Mestre pela FGV