Por Matria - Associação de mulheres, mães e trabalhadoras do Brasil
Desde 2021, instituições de ensino superior e concursos públicos vêm adotando cotas para transgêneros. Mais de trinta universidades já aplicam essas cotas, destinando a esse público percentuais que variam entre 1% a até 5% de vagas.
Tem-se afirmado que as "cotas trans" são só mais um passo na inclusão de grupos historicamente marginalizados. Porém, um olhar mais atento revela que elas têm sérios problemas de eficácia e legitimidade. Para fazer isso, vamos compará-las às cotas étnico-raciais no Brasil.
As cotas raciais foram fruto de um longo processo de discussão acadêmica, pública, jurídica e legislativa, que durou décadas. Só para se ter uma ideia, em 1983, o deputado Abdias Nascimento apresentou o Projeto de Lei 1.332, que previa a reserva de vagas para negros no serviço público. Os movimentos negros teriam que esperar mais de 25 anos para que elas começassem a se tornar realidade.
O fato é que as evidências de desigualdade e discriminação são tão fortes e robustas que esse dia chegou. A justificativa para as cotas raciais é sustentada por um longo histórico de pesquisas que remonta à década de 1970. De lá para cá, a coleta e análise contínua indicadores de educação, renda, emprego, entre outros, evidenciou a situação de desvantagem material da população preta, parda e indígena no nosso país.
De acordo com o IPEA, em 2022 a população brasileira era composta de 56% de pessoas pretas e pardas. Porém, elas eram apenas 36% das pessoas com diploma superior, mostrando uma flagrante sub-representação. Para piorar o quadro, a renda das pessoas brancas era em média 87% superior à sua.
Comparados com os dados sobre desigualdades raciais no Brasil, que têm uma base empírica sólida, os dados sobre a população transgênero são ralos, imprecisos e envoltos em fabricação e distorção. A começar porque os institutos de pesquisa brasileiros como IBGE e IPEA são unânimes em advertir que não existem dados censitários sobre identidade de gênero no país. Logo, qualquer afirmação sobre expectativa de vida ou sobre homicídio de pessoas trans no Brasil é uma invenção.
E as poucas pesquisas feitas com técnicas estatísticas confiáveis mostram um quadro muito diferente daquele que vem sendo pintado pelos movimentos trans. Uma pesquisa com amostra aleatória feita com 6000 respondentes pela Faculdade de Medicina da USP e liderada por Giancarlo Spizzirri não encontrou diferença de escolaridade ou de empregabilidade entre aqueles que a pesquisa classificou como transgêneros.
Já uma pesquisa com amostra representativa feita no Distrito Federal pelo IPEDF CODEPLAN apontou que os autodeclarados transgêneros são mais escolarizados, mais empregados e têm mais acesso a planos de saúde privados que o restante da população do DF.
Talvez esses dados venham como um choque para quem está habituado a ouvir que a população trans brasileira é uma das mais vulneráveis do mundo. Acontece que ativistas trans têm escolhido a dedo grupos muito pequenos de pessoas muito vulneráveis e generalizado seus dados para toda a população, sem rigor estatístico e metodológico.
Um exemplo é a pesquisa feita pelo CEDEC em São Paulo em 2021, mencionada em diversos relatórios da ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Os autores da pesquisa buscaram ativamente pessoas transidentificadas no SUS e em programas sociais como o Transcidadania, destinados a pessoas em situação de vulnerabilidade, e dali tiraram suas conclusões. Ainda assim, não encontraram diferenças substanciais em escolaridade em relação ao restante da população do município.
Ora, sabemos que algumas pessoas incluídas no grupo difuso entendido como transgênero sofrem violência e exclusão, sobretudo alguns jovens expulsos de casa e pessoas aliciadas para a prostituição. Essas pessoas merecem auxílio do Estado e políticas públicas eficazes, baseadas em evidências. E não medidas que não vão lhes trazer nenhum benefício.
Porém, as pessoas e grupos que hoje encabeçam esse debate não parecem estar interessadas em formular diagnósticos e políticas públicas que realmente ajudem esses indivíduos– mas apenas em usar sua vulnerabilidade para obter benefícios injustos para si.
Isso tudo dá sinais claros de que as "cotas trans" promovem injustiças e insegurança jurídica, subvertendo os princípios das ações afirmativas, que foram criadas para beneficiar grupos historicamente vulneráveis e definidos por critérios objetivos e verificáveis.
Em um contexto em que a luta por igualdade e justiça social é mais urgente do que nunca, é fundamental que as ações afirmativas sejam construídas sobre fundamentos sólidos e transparentes. Baseá-las em falsas equivalências desvirtua o propósito original dessas políticas, colocando-as em risco.