No Campo da Esperança
Era primavera na estação do ano e era primavera no Campo da Esperança.
Era primavera na estação do ano e era primavera no Campo da Esperança.
Campo da Esperança é o nome do Cemitério. No Cemitério, a despedida. Juliana, tão menina, tão mulher, tão cedo já não dizia nada. Seus filhos, crianças, despediram-se antes da mãe. Sua mãe incompreendia a despedida. Mãe nenhuma deveria viver a dor mais doída do mundo. No cordão umbilical, desde os inícios, a promessa de que antes vai quem antes veio.
O marido de Juliana dizia com Caetano: "Ela é tão bonita que na certa eles a ressuscitarão...". O marido de Juliana se sabe pai e se sabe continuador do que, um dia, sonharam juntos, quando juntos se olharam e juraram eternidade. A eternidade veio antes para Juliana.
Eu abracei todas aquelas dores, naquela primavera, naquele cemitério. Era inverno. É assim que a morte parece ser, inverno. Não há fé que vente para longe a vontade de ter perto quem amamos. A fé não impede que as folhas caiam das árvores e que as árvores pareçam sem vida.
Juliana, sem palavras, deitada, parecia sem vida. A vida de Juliana era dita nos dizeres dos que disseram ditos, quando ela também dizia. Diziam dos seus sorrisos. Da filha amorosa. Da mãe sonhadora de futuros. Da mulher tecedora de bondades. A máquina humana tem um tempo do funcionar. As árvores parecem sem vida nos invernos, dizia eu em oração. Parecem. Miraculosamente, surge a primavera. E a nova roupagem desmente os olhos. E até os incrédulos veem. Juliana nunca esteve sem vida.
A morte é a primavera da alma. O corpo volta à terra. É o simbólico. É o "húmus". Somos todos terra. Somos todos humanos. Somos todos viventes das estações que inventamos para aliviar o que somos.
Somos as quenturas de cada verão e somos as transformações dos outonos. Somos o frio que dói a alma dos invernos e somos o inverno que parece ser o fim. O fim é a primavera. O fim são os florescimentos. Aqui e no Mistério.
Juliana é perfume na eternidade. Juliana é! Do verbo que nunca deixa de ser.
"Como é a eternidade?”, talvez perguntem os filhos de Juliana. Somos pequenos demais para saber, pequenos demais para voar o voo das almas.
É um outro nascer. No cordão umbilical, não imaginávamos que pudéssemos sair de um ventre tão pequeno, tão aconchegante, para viver o mundo grande. Nascemos sem saber. Nascemos sentindo. Sabemos, também, nada do novo nascimento.
Modestamente, desconfio dos que dizem nada existir como desconfio dos que têm tanta certeza que explicam como será. Seria possível algum bebê dizer o mundo antes de ser? Sentia ele apenas o amor nutrindo sua vida e preparando o nascer. Nesse mundo grande, também vivemos aconchegos. Também nutrimos e fomos nutridos de amor. E depois?
Respeito os que desacreditam de tudo. Cada um tem o seu jeito de se ajeitar nas estações. Eu acredito.
Na primavera do Cemitério chamado Campo da Esperança, enquanto ouvia os dizeres da irmã de Juliana, enquanto cantavam canções de fé, enquanto abraçava seu marido, tão meu amigo, enquanto enxugava as lágrimas de sua mãe, eu olhava para o céu.
Olhava para o céu e sentia uma paz reparadora de tristezas. Uma paz anunciadora dos voos, dos voos para o alto, dos voos que, metaforicamente, dizem que não ficamos embaixo da terra. Que o marido de Juliana e, também, Caetano estão certos, é beleza demais para não prosseguir.
Prossegui acreditando. Abracei duas palavras para não caminhar sozinho, enquanto saía daquele Campo da Esperança. A fé e a saudade.
A fé que diz que sei nada, mas que confio muito. E a saudade, ah, a saudade! Só tem saudade quem autorizou o amor a enlaçar a própria vida em outras vidas, quem, no campo da existência, existiu para abrir espaços para outros florescerem. Afinal, nascemos para a primavera.
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