Ela fez o sinal da cruz. A criança perguntou o significado. Ela disse o que sabia. Eu ouvi em silêncio. E fiz o sinal da cruz.
Ela trabalha na casa onde a criança mora. Ela cuida da criança. É o que eu sei. É o que basta para querer escrever a emoção. O nome dela, eu também sei. Ouvi da criança.
"Amanda, o que é isso que você fez?” "O sinal da cruz.” "E o que é?"
Amanda sorriu. Um sorriso de aconchego. E abraçou, ainda mais, a criança.
"Quero saber." "Eu digo."
Estávamos passando em frente a uma Igreja. Amanda disse. Disse que aprendeu, desde cedo, o sinal da cruz. Com sua mãe, mais religiosa que ela. Que a cruz ensina três ensinamentos.
O primeiro é o alto. E a criança olhou para cima. Há o alto. O sagrado. O que está além do que podemos tocar. E a criança levantou as mãos. O sagrado é o que nos dá paz. É o que nos faz sorrir. E a criança sorriu.
O segundo ensinamento são as mãos dadas. E a criança deu as mãos para Amanda. É mais seguro caminhar de mãos dadas. E é mais bonito, também. E a criança sorriu novamente. O sorriso também precisa das mãos dadas.
E, nesse instante, meu pensamento se organizou nas explicações de Amanda. A verticalidade na relação com o sagrado e a horizontalidade no respeito aos outros, a todos os outros. As mesmas mãos que fazem o pão dão o aconchego. As mesmas mãos que plantam sementes que alimentam abraçam em delicadezas. E, também, varrem as sujeiras. E, também, orquestram músicas que nos fazem sentir o alto.
Das divagações, voltei para a escuta.
O terceiro ensinamento é o sentimento. "O que é o sentimento?" - Foi a pergunta da criança.
O sentimento é o que há de mais bonito no mundo. O que dói é sentimento e o que faz a alegria, também. O que sente saudade é sentimento e o que reencontra, também. Foi quando vi os olhos de Amanda marejarem.
"Você está chorando?" Como é bonito ver a sinceridade das crianças. "Vem que eu te abraço." E a decisão de espantar as tristezas.
Do que chorava Amanda, eu não sei. De alguma dor ou de algum reencontro? Chorou sorrindo; então, poderia estar sentindo o fazer da alegria.
O ensinamento dos sentimentos nos permite entender os outros dois, o da verticalidade e o da horizontalidade. Do que nos eleva e do que nos une. Não sei a religião de Amanda. Nem dos seus estudos. Tampouco dos seus cotidianos. Sei que atenções dizem muito e que emoções são laços que enfeitam nossa alma.
Caminhei mais um pouco e, depois, quando elas atravessaram a rua, resolvi voltar. Entrei na Igreja e fiquei olhando para a cruz. Olhando para a cruz, senti a paz que disse Amanda. Pensei no seu nome, Amanda. Amanda vem de amor, vem do que é digno de ser amado. Todo ser humano é digno de ser amado. A horizontalidade.
O desamor, entretanto, crucificou o amor. E, crucificando o amor, crucificou os sentimentos mais bonitos que nos fazem dar as mãos, como o respeito, a compaixão, a bondade. Olhando para a cruz, lembrei de tantos ensinamentos que plantaram em mim, os olhos nos céus.
Uma música tocava na Igreja. Uma música composta há alguns séculos. As mãos do compositor. O amor venceu a morte, ainda antes da morte. O amor perdoou. E, perdoando, estava pronto para a vida.
Saí da Igreja e fiquei olhando para uma árvore imensa que, banhada pelo sol, ficava ainda mais linda. O dia ficou outro depois de Amanda e da criança. Sim, o sentimento é o que há de mais bonito no mundo. Sentir no ordinário o extraordinário é valorizar o sentir. É estacionar o tempo que passa para plenificar o tempo presente. O instante de um dia que se despede. O instante de um beijo de amor. O instante de um colo para os alívios.
Caminhei diferente depois de Amanda. E ela nem sabe disso. O bom do existir é semear sentimentos de amor sem outras preocupações, além do semear. Sem aplausos, ela ofereceu ao meu dia um dia melhor.
Obrigado, Amanda. Eu já sabia sobre o sagrado da cruz, mas, no seu dizer, ficou mais bonito.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.