Geraldo Peçanha de AlmeidaDivulgação

Estou estarrecido com a repercussão do caso da mãe que exigiu tratamento real ao “Filho Rei”. A moça que se recusou a dar a lugar na janela, atingiu dois milhões de seguidores, e isso é o meu foco porque explica tudo. Primeiro, o celular está sendo proibido nas escolas e ao mesmo tempo a polícia de São Paulo, sobretudo, passou a ser o foco dele. O celular é a mais poderosa arma da denúncia – inclusive ele denuncia nós mesmos e nossas atitudes.
O celular apresenta ao mundo nossa intimidade sem máscara. Lembro-vos quanto veio à tona o médico abusando de uma paciente no Rio. Todo mundo falou e condenou o médico (eu também!), mas poucos pensaram que, por trás daquelas imagens tinha uma pessoa que poderia, se não fosse o ego, ter evitado mais um abuso. Mas, ao invés de denunciar e entregar a investigação às autoridades, preferiu assistir ao vivo e depois espalhar as imagens. Ou seja, podemos falar de valores humanos? O médico errou muito, mas será que quem grava uma imagem, tendo a chance de evitar mais um crime, pode só ter acertado? Deixemos a moça da janela, o médico abusador, e vamos ao que interessa. Quando eu estava na sala de aula de alfabetização, uma mãe procurou a direção da escola e pediu a proibição do livro Serafina e a criança que trabalha. A alegação dela era que a filha não precisava ler uma realidade que não era a dela e tampouco iria acrescentar algo. Pasmem! A direção acatou. O livro foi proibido e eu fui calado.
Mães e pais indo às escolas exigindo que professores se retratem e se desculpem por terem frustrado seus filhos acontece diariamente. Esses casos vêm à tona as frustrações dos pais e a incapacidade de intervirem amorosamente – dissolução de conflitos e cultura de paz. Ela parte para acusação e condenação no calor da hora. Durante momentos de crise a sociedade busca comportamentos autoritários e totalitários, isso explica porque 2 milhões de pessoas passaram a admirar e a seguir “a moça da janela”. Ela representa a ordem e a lei que nós não podemos fazer, mas queremos. Triste fico ao ver que nós não somos capazes de nos enxergar nessas situações. Parece que só os outros são capazes de tamanha falta de empatia, mas as faltas nessa situação são de todos nós: faltou educação com limites, faltou pais presentes, faltou limites, faltou empatia, faltou profissionalismo, faltou cultura de paz e faltou educação – para todos, sem exceção.
O peso da perfeição adoece pais que nunca tiveram ou têm diferentes exemplos sobre a paternidade e delicadeza, e por isso eles não têm como olhar para si mesmos e dizer que não estão conseguindo – mas o celular os denuncia. A questão é: até que ponto estamos, nós pais e mães, dando a chance para que nossos filhos sejam realmente criados pela inspiração de uma cultura de paz? Quantas pessoas, adultos e crianças presenciaram aquele momento no avião?
Momento em que adultos se perdem em suas vontades momentâneas diante de uma simples ação de uma criança. Se esse evento servir como exemplo pra humanidade talvez ele só possa mostrar o quanto ainda nós, adultos, não temos a menor condição de sermos exemplos para as crianças. E lembrando o grande Erasmo Carlos: “Mas estou envergonhado, Com as coisas que eu vi, Mas não vou ficar calado, No conforto acomodado como tantos por aí, É preciso dar um jeito, meu amigo”.
Geraldo Peçanha de Almeida é psicanalista