Existem várias considerações sobre o poder educativo das guerras, destarte a maioria permaneça como um registro obsoleto. Admitamos que o poder educativo nas guerras não passe de um desejo do pensamento, uma aposta que nunca se concretiza de fato. Se a desinformação é o salário das ideologias, as disputas bélicas terão sempre um substrato baseado em conceitos estanques. Vejam a notável decadência de instituições como a ONU e suas filiais, observem como os mecanismos de multilateralismo se transformaram em multi sectarismo. Avaliem como a novíssima guerra fria congelou a cooperação e a razão.
Será que temos feito o diagnóstico errado?
A chamada polarização – um termo errôneo - jamais foi a causa, apenas um dos resultados do desaparecimento de uma compreensão mais flexível e lúcida da realidade. A ideologia, como a hipótese acima formulada, passou a acionar um mecanismo patológico parecido com o vício dos ludopatas: nunca funcionou, mas da próxima vez dará certo. É o que vicia: o quase acerto. Há, portanto, uma desonestidade estrutural nas ideologias. Não há necessidade de coerência, não há compromisso com a razão, não há respeito pela palavra empenhada. No próprio dia da implementação do acordo, já houve uma violação com o atraso na entrega da lista de reféns sequestrados.
Os extremos apostam que suas convicções precisam um pouco de boa vontade da realidade para se encaixar em suas teses de ofício. Nos sistemas fechados elas nunca foram – nem precisam -- ser empiricamente postas à prova. A diplomacia internacional não apenas não escapa deste mecanismo viciado, como tornou-se avalista e operadora deste sistema. Aceitam-se ditaduras convenientes, tiranias que servem aos interesses imediatos são endossadas, tolera-se regimes cuja democracia representativa não passa de um arranjo cosmético, todas estas aberrações foram naturalizadas e acolhidas no hall de nações civilizadas.
Quando Fidel Castro desfilou pelas ruas de Havana com os braços dados ao aiatolá, o mundo deveria ter desconfiado de que entrávamos em uma era tanto assustadora como bizarra. O ditador Díaz-Canel prestou uma homenagem ao aiatolá Khomeini em recente visita ao Irã. Hoje, o ditador Erdogan, cujo País encontra-se provisoriamente filiado à OTAN, suspira pelo expansionismo turco, persegue os curdos, e, quem sabe, delira com um novo califado. A deformação doutrinária woke produziu um manifesto (sic) elogiando e transformando em hit pop a “Carta a América”. Libelo que é nada menos do que uma exortação à barbárie, cujo autor era o bilionário saudita Bin Laden, eliminado no Paquistão em 2011. Multidões comemoraram e justificaram os massacres cometidos no dia 07/10 e obtiveram a simpatia das reitorias de importantes centros universitários nos EUA e na Europa.7
Enquanto isso, partidos neonazistas estão em ascensão na Europa. Alguns afirmam que o nazismo foi apenas militarmente derrotado, uma vez que a estrutura mental que deu origem ao supremacismo e à intolerância jamais foi totalmente desmantelada. Até recentemente havia uma ponte em Stuttgart que ainda ostentava uma placa com a seguinte mensagem: “Lembremos de nossos heróis que ainda estão nas prisões Soviéticas”, referindo-se aos oficiais nazistas que estavam mofando nas prisões russas. A estranha e longeva preservação de tal marco poderia significar apenas respeito a um monumento histórico, mas esta não é a hipótese mais provável. O conceito de “sionismo” tem sido amplamente vilipendiado pelo mundo. Sionismo, que é o legitimo movimento de autodeterminação do povo judeu, povo que se levantou das cinzas do holocausto para reconstruir um País que habita há 3.000 anos. Além disso, os racistas têm ardilosamente usado o termo para substitui-lo pela palavra “judeu”. Adotaram o termo como um manto da linguagem para camuflar o preconceito. Até agora funcionou.
Qual é afinal o crime do sionismo?
Ter ousado desafiar uma ideologia intolerante como o radicalismo islâmico e arrogância das tiranias árabes. Sobreviver rodeado de países hostis. Ter a audácia de praticar a legítima defesa. E talvez o mais grave: ser bem-sucedido como uma democracia tolerante, onde há liberdade de expressão e de culto, com um índice apreciável de desenvolvimento humano. O diagnóstico poderia ser outro, mas não é.
O diagnóstico é que o excesso de civilização, a saber, a tolerância com a intolerância nos trouxe ao atual momento histórico. Isso vale para o que testemunhamos nas ruas da Europa, de Paris a Londres, passando por Estocolmo e Amsterdã. Ali, rotineiramente explosões de antissemitismo e intolerância e outras minorias étnicas e religiosas acontecem. Impossível deixar de mencionar a perseguição aos cristãos na África, a violência étnica da China contra os uigures, a opressão das mulheres no Afeganistão e a dos Bahá'í no Irã. Reparem que não são os radicais que o fazem, são os regimes legalmente constituídos.
Sob o beneplácito das mídias internacionais como a BBC, CNN e a Al Jazeera, da censura das grandes plataformas que abrigam as redes sociais e de alguns periódicos brasileiros paulistas, o ódio avança sob manchetes caluniosas. Por exemplo, a bem-sucedida invenção de que estávamos diante de um genocídio em Gaza, quando todos os estudos, assim como os relatórios militares e civis não apenas confirmaram que se tratava de uma fantasia, como a desmontaram estatisticamente.
Israel nunca atacou, sempre se defendeu. Israel foi atacado em 1948-49, 1956, 1967, 1973, 1982, 2006, 2003 até o presente momento. Nesta última, em sete fronts distintos. O álibi para a iniciativa dos ataques pode variar, mas o fundamento usado para justificar cada um é sempre o mesmo: o País não deve existir, o País não é legítimo, o País é inviável. Como ensina o velho ditado médico, cessam as causas, mas não cessam os efeitos. Os ataques sistemáticos contra a nação judaica apenas afastaram progressivamente do horizonte imediato o plano de dois estados convivendo lado a lado. É possível que bem adiante volte a ser discutido, contudo, menos provável do que era antes de 07/10. Decerto tudo indica que nenhum plano deste tipo será avaliado agora ou nos próximos anos.
Há também um longo histórico de cessar-fogos. Poderíamos recenseá-los às dezenas desde que um golpe de Estado praticado pelos terroristas de Gaza destituiu e assassinou os líderes do Fatah. O último, em 2008, foi rompido pelos próprios protagonistas que desencadearam a guerra. Ou seja, nenhum deles durou muito. O atual cessar-fogo é mais uma destas farsas costuradas a frio sob pressão americana. Uma farsa necessária para que uma fração ínfima de reféns retorne de onde foram arrancados nos ataques de 07/10. Alguns virão com vida, muitos serão apenas cadáveres.
Israel está pagando caríssimo por seus erros, não exatamente por erros da inteligência, mas pela falha da imaginação de que um ataque daquelas proporções fosse possível. A tragédia dos palestinos é inegável, mas Israel não é o algoz. Se quiserem realmente encontrá-lo, o carrasco, procurem-no em outros endereços. Não será difícil achar o código postal de Teerã ou de outros rincões financiadores do ódio entre os grandes produtores de combustíveis fósseis. Só há uma chance do dia seguinte em Gaza ser diferente e evitar a recorrência da tragédia: é essencial que a seita escatológica atual junto com sua rede de apoiadores dentro e fora da Faixa, seja destituída e neutralizada.
E aqui o dilema inevitável: quem deve desarmar o artefato bélico ameaçador que hoje conta com um poder equivalente ao atômico? Não, não me refiro às tentativas da ditadura iraniana de enriquecer urânio para obter a ogiva nuclear. O Ocidente já deixou claro que, neste caso, as sanções não só não funcionaram, como contando com a inestimável ajuda da administração Obama – impulsionaram o expansionismo persa. Além de empurrar a teocracia para os braços de Putin que precisa financiar sua aventura fracassada na Ucrânia, sempre sob os aplausos discretos dos dirigentes chineses.
Apesar do nanismo diplomático, cabe uma nota de rodapé para a atuação vexatória da diplomacia brasileira sob a dominância petista, em especial nos episódios relacionados à guerra.
Particularmente grave foi a omissão do executivo e do Ministério das Relações Exteriores -- ao arrepio da Constituição Federal -- por não terem oferecido tratamento equânime às 4 vítimas brasileiras e aos 3 filhos de brasileiros assassinados pelos inimigos da humanidade no dia 07/10 de 2023. Episódio gravíssimo que merece atenção por parte do Congresso Nacional, esperamos que os legisladores se debrucem sobre o tema para denunciar e dar seguimento aos devidos desdobramentos legais.
Isso dito, e respondendo à pergunta acima formulada: quem terá o dever de lidar com o extremismo do islamismo radical e suas facções serão os próprios muçulmanos. Os países que desejam se desenvolver precisam interromper sua retórica ambivalente e investir com determinação na moderação e no desenvolvimento econômico, na recuperação da infraestrutura dos locais afetados pela guerra como Gaza, Líbano e Síria. Recuperação que não envolva financiar túneis obscuros, hospitais municiados com fuzis ou mesquitas com mísseis acoplados.
Precisam reeducar seus povos e não apenas incutir nas populações a ideia de que Israel é uma realidade durável e permanente, como fazer um marketing favorável dessa premissa. Não há outra saída. Os reinos que não abandonarem a ideia de que o jihadismo fundamentalista – no Oriente Médio, mas também fora dele -- tem qualquer viabilidade serão penalizados exatamente por aqueles que estão sendo acobertados pela ambiguidade. A renúncia ao apoio tácito ao terror precisa ser clara. Vale dizer, daqui em diante, com ou sem a nova administração americana, as máscaras serão arrancadas em duas modalidades: voluntariamente, ou à revelia.
Não se trata de ser conservador ou progressista. A recuperação da credibilidade das instituições mundiais depende dos próximos passos. A responsabilidade recai nos novos líderes que mostrarão ou não se estavam à altura do desafio que clamaram para si. Diferentemente do cessar fogo, a Paz é uma senhora exigente e rigorosa. Demanda muito mais do que boa vontade temporária dos homens.
Ela exige comprometimento, confiança mútua e fidelidade. Para alcançarmos a Paz em nossos dias a premissa número um é aceitar um dogma: radical intolerância com a intolerância.
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