Daniel GuanaesDivulgação
Uma das explicações estaria no fato de as questões da mente serem intangíveis. E, no imaginário evangélico, o intangível é interpretado pelos símbolos da religião. Se algo de bom acontece, atribui-se o feito a Deus. Se algo de ruim ocorre, a atuação é de forças malignas.
Juliana Neves é psiquiatra e evangélica, e, como tal, não nega o lugar da leitura religiosa na compreensão da vida. Ela diz que questões de ordem espiritual existem, impactam a nossa mente e corpo, mas nem de longe são a principal causa dos transtornos mentais. E também explica que, quando alguém condiciona uma doença mental à religião, às vezes acaba prejudicando o próprio tratamento.
Isso não significa que a fé necessariamente prejudica um tratamento. Na verdade, a religião pode ajudar no cuidado da saúde mental. A prática religiosa, por exemplo, fomenta esperança, resiliência e perseverança - elementos fundamentais à promoção do bem estar.
No entanto, se a questão é recorrer à ajuda divina, por que não encarar o médico e o tratamento como um caminho pelo qual Deus age? A oração não precisa ser um percurso alternativo ao acompanhamento de um profissional; espiritualidade e ciência podem andar lado a lado.
Para muitos evangélicos um tratamento de saúde mental representa falta de confiança em Deus. Quando frequentadores da igreja pedem a minha opinião, pergunto se eles fazem a mesma indagação quando precisam tratar uma infecção bacteriana, por exemplo. Por que um antidepressivo levanta suspeitas sobre a fé e um antibiótico, não?
Parte dessa resistência tem a ver com a postura das próprias lideranças. Segundo Josman França, pastor da Assembleia de Deus há 21 anos, na denominação dele um líder admitir que enfrenta problemas emocionais é ruim para a imagem. “Dificilmente você verá um pastor expondo as suas fraquezas”, ele compartilhou.
Esse cenário, contudo, vem sofrendo transformações. Sobretudo com a contribuição de programas focados no público evangélico, que visam conscientizar quanto à importância do autocuidado. O movimento Pastores pela Vida, iniciativa da organização Visão Mundial, é um deles. O programa, focado em líderes evangélicos, trata de assuntos que desmistificam o cuidado da saúde mental.
Atuando no movimento, ouço relatos de pastores de igrejas quem era refratárias ao tema, e que hoje encorajam seus fiéis a buscarem tratamento. O próprio França é um exemplo disso. Ele lamenta já ter reproduzido discursos que desencorajavam seus colegas e frequentadores de igreja a procurarem cuidado profissional. Agora, encaminha as pessoas aos consultórios sempre que necessário.
O colega que me abordou naquele congresso não fazia ideia dessas nuances do pensamento evangélico. Sua pergunta o aproximou de um universo desconhecido. Agora, mesmo sem pertencer a essa religião ele pode auxiliar as pessoas a superar mitos. Seria ingenuidade achar que algum consultório não é visitado por pessoas que pensam.
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