Entro na escola e vejo Amâncio. Ele recolhe as folhas caídas e alguma sujeira de dias idos.Nos cumprimentamos com carinho. Gosto dele. Sabe ele tanto do tanto que a vida ensinou.
Na sala dos professores, os dizeres sobre as férias e uma ou outra impressão de futuros.
Vejo um olhar novo. Dou as boas-vindas e ele agradece e diz sinceridades. É o primeiro ano em que será, de fato, professor.Está com medo. Sinto o cheiro, mas não digo, uso o sentir para suavizar.Converso amenidades. Ângela, a diretora, entra na sala e nos diz alguns avisos e avisa do novo professor. E olha para mim agradecendo estar cuidando dele.
Amauri fala de um irmão adolescente difícil de conviver e sorri, um pouco nervoso, dos tantos deles que estarão agora em sua sala de aula.
Eu digo que ele vai gostar. Que é um desafio que dá medo, um medo bom. Ele apenas olha como se tentasse compreender o bom do medo.Eu percebo e abro algumas preparações. O cuidado com os saberes. O que eu planejei para os inícios. Pergunto se ele precisa de ajuda. Ele diz que sim.
Converso sobre o primeiro dia. Dou alguma sugestão de como chegar. De como apresentar o saber, o sabor.Ele gosta. Anota. Digo de uma dinâmica sobre os nomes. Ele pergunta se sei o nome dos meus alunos. Digo que sim.
Na porta da sala dos professores, surge Davi, e olha e diz que só veio ver se eu estava.Eu brinco com ele sobre a saudade. Depois, passa Vitória. Também procura os meus olhos. E falamos brevemente.
Amauri observa. Eu volto a falar do medo. E do que enfrenta o medo.Mostro para ele um dizer de um aluno, do ano anterior, um dizer que diz de uma dor dilacerante na alma. De um esconderijo buscado para não mais ser encontrado. De um não acordar. De nuvens, nuvens apenas.E de uma aula que foi um raio de luz. E de uma outra que foi um convite ao sorriso. E de uma próxima que foi uma mão que se estendeu para o caminhar pela vida.
Ele lê a mensagem. E eu digo que há outras.E que ele também há de receber.Que a nossa profissão nos oferece este poder. O poder do despertar para o encantamento. O poder de retirar amarras para que o voo seja possível. O poder de devolver a vida às vidas que se perderam.
Ele acena concordando e me pergunta o que fazer se, para alguma pergunta de algum aluno, ele não souber a resposta.
Eu digo que saber as respostas não é o essencial. Ele apenas ouve.
Outro aluno vem até a porta e diz o meu nome. Ele pergunta se, um dia, os alunos saberão o seu nome.Olho para ele olhando para os meus inícios. Já estou perto da aposentadoria. Já disse não saber muitas respostas. Já respondi a mim mesmo, em meio aos meus cansaços, que valia a pena prosseguir.Já lamentei troca de governos que abandonaram caminhos bons na educação. Já quis abandonar tudo.O tempo foi abrindo os olhos da minha alma e revelando o essencial.
O que quero, como professor, não é ser um distribuidor de dados, um pronunciador de verdades. O que quero é sentar com os meus alunos na ciranda das dúvidas do existir e ser tão humano quanto eles no pesar e no celebrar. Nas pedras e nos horizontes.
Digo ao jovem professor Amauri que ele deveria conversar com o Amâncio, o homem que limpa a escola e que limpa algumas bobagens que colecionamos dentro da gente.
O sinal toca e nos levantamos.Ele dá um abraço forte e pede que eu esteja próximo. Que, em alguns minutos, aprendeu muito.
Aprendemos, digo eu.
E seu errar, insiste ele? Erre, por favor, erre sempre. E arrume. E erre novamente. E prossiga arrumando. É de humanos que estamos falando, não é?
Olho para a Diana, que vem com o café e a cumprimento. E a apresento para Amauri. O café dessa mulher é especial. Dá tempo. Não deixe de experimentar.Ela me diz que sentiu falta de mim nas férias. Eu retribuo.
Ainda antes da aula, Amauri me diz que gostaria de ter sido meu aluno. Diz, de forma tão espontânea, que eu o abraço como a um filho. Sejamos amigos, professor.
Como é bonito sermos chamados assim, professor.Saímos juntos em direção às salas de aula.O cheiro do medo vai dando lugar a um aroma delicioso de umas flores que vou querer saber de Amâncio quais são.Parecem novidades por aqui.
Que bom que as aulas voltaram. É esse o lugar que mais gosto de estar no mundo.