Em minhas andanças peregrinando afetos, encontro pessoas e dizeres e histórias.
"Um sol para cada um" é uma expressão não incomum em partes quentes deste quente país.
Era um meio de dia e um sol inteiro queimava inteiro o nosso caminhar. Ela, então, disse sobre o calor do aqui. Eu concordei e fiquei com as palavras em mim.
Gosto do calor. Do tempo dos trópicos e do tempo de encontros. E gosto das metáforas que nascem no pensar desses encontros. "Um sol para cada um" é, sim, o calor, mas é, também, a luz.
A cada um é dada uma luz. A cada um é garantida uma porção de aquecimentos para espantar as friagens do mundo. A cada um. Porque cada um é um. E ninguém é um outro que não a si mesmo. E nem deveria querer ser.
O outro pode ser inspiração, mas não um molde para que eu seja cópia. O outro, de qualquer tempo, pode conversar comigo para relembrar a luz. É por isso que leio livros e autorizo o encantamento de outros sóis. Ser um outro, entretanto, não. Eu preciso compreender, sou eu e não um outro.
Sou único. Irrepetível. Não sou cópia nem copiável. Não sou o que decidem de mim nem o que eu, erroneamente, decido quando decido a errância. É um erro não gostar de mim. É um erro querer ser um outro. O outro não é, talvez, o que vejo.
Vejo, sem saber, a imagem cheia de retoques de tantas invenções. O que vejo é uma parte do que é o outro. Ver o outro inteiro não é permitido a ninguém. Nem mesmo ao outro. Nem eu me vejo inteiro. Se me visse inteiro, saberia que eu tenho um sol só para mim. Que eu sou, também, um sol. E não buscaria um ideal inencontrável. Perfeições não há. Nem no outro nem em mim. Perfeito é, entretanto, o instante. Um beijo na boca é o infinito no finito. E também uma oração em que me elevo e me encontro. Ou um simples abraço que abraça a humanidade inteira em um único sol.
Tenho tido mais encontros comigo mesmo. Talvez seja ensinamento do tempo. O tempo vai e não volta e nem fica. E, nas voltas do tempo, há mudanças. Mudei depois de algum tempo. As pressas andam mais devagar, vez em quando, consigo até estacioná-las. As ansiedades ainda existem, mas, não poucas vezes, ficam empoeiradas pelo desuso e, então, eu comemoro.
Se há um sol para cada um, é preciso que eu preste atenção ao sol. Ao de dentro, também. O meu sol já se acanhou pelas nuvens. Algumas, eu mesmo inventei. Foram outros tempos. O medo da ausência de amor é perigoso e nos lança sombras que não são nossas. O medo da ausência de amor me faz desistir de mim para agradar aos outros. Tosco, me alimento de aplausos que dizem nada e de elogios que só são bem-vindos quando nascidos na sinceridade.
Olho irmãos meus e, quando estou atento, estendo as mãos para que compreendam quem são. Quem são sem as cobranças ou as expectativas. Irmãos meus que ainda deslizam, como eu, tantas vezes no valor que deve ser dado ao que tem valor. O sol tem valor. O aquecer, também. O encontrar sem exigências quem ocupa espaços próximos ao meu. O rico lugar onde nasci. Minha terra. Pequena ou grande. Mas minha. Conquistar o mundo desconsiderando o onde nasci é, também, um erro. O acerto é caminhar pelas ruas e olhar para os que moram perto e ficar perto.
Quantas histórias tenho. Quantas histórias temos todos. Os passados estão em mim, embora eu nunca deva estar preso a eles. Vou. Visito. E volto para onde devo estar. No hoje, que é o que me cabe. Não me cabe ser viajante incauto de embarcações que me levam para longe de mim, para longe da luz, para os mundos inferiores do desejo e do deslumbramento.
Para a mulher que falava comigo, no sol do meio do dia, falo das minhas andanças. Vou a lugares tão diversos e, diversas vezes, tenho vontade de permanecer por mais tempo. De ouvir mais cada sol que me ilumina em encontros fugidios. Pena não poder dizer ao tempo que seja um pouco mais vagaroso nesses instantes. Até digo, mas ele faz o que quer. E o que ele quer é que eu compreenda que, no transitório, eu posso autorizar o permanente.
"Um sol para cada um" é no que acredito. É o que me faz sentir em casa. Na minha e na de todos.
Ninguém é maior. Ninguém é menor. Um sol é o que vejo quando me vejo. Um sol é o que vejo quando o outro vejo. Quem nos criou não criaria alguns para as sombras. As sombras são invenções nossas. Tenhamos a utopia de desinventá-las. Sol é o que somos!