Allan BorgesDivulgação

A universalização do saneamento básico no Brasil vai além da prestação de serviços: constitui um eixo estratégico essencial de qualquer agenda ESG que busque equilibrar eficiência econômica, equidade social e resiliência ambiental. Em 2025, 46,3% da população ainda vive sem acesso à coleta de esgoto, e 13,6% não conta com abastecimento regular de água potável (SNIS 2023). Além disso, cerca de 8 milhões de moradias sofrem com déficit qualitativo por ausência de infraestrutura mínima de água e esgoto (IBGE/PNAD Contínua 2022).
O cenário é mais crítico em áreas informais — favelas e loteamentos clandestinos — onde a falta de redes adequadas expõe famílias a riscos de doenças como diarreia e hepatites, que poderiam ser reduzidas em até 60% com saneamento adequado (OMS/UNICEF 2022). Isso perpetua a vulnerabilidade urbana e a exclusão social, além de minar o sentimento de pertencimento e dignidade de comunidades inteiras.
No campo ambiental, o “E” de ESG se materializa no saneamento como ferramenta de enfrentamento à crise climática. Estações de tratamento com digestão anaeróbia transformam esgoto em biogás, cuja queima reduz a emissão de gases de efeito estufa como metano e óxido nitroso — mais potentes que o CO₂ — conforme aponta o IPCC (AR6, 2021). O reúso de água em irrigação, limpeza urbana ou indústria alivia a pressão sobre mananciais e contribui para a segurança hídrica, especialmente em um país cada vez mais afetado por secas e eventos extremos.
No pilar “S”, de Social, a expansão do saneamento a territórios informais representa justiça urbana e melhoria concreta das condições de vida. Segundo o Banco Mundial, o valor de imóveis em áreas vulneráveis pode crescer até 20% com a chegada da infraestrutura. Paralelamente, há queda em internações, mortalidade infantil e aumento da produtividade e da coesão social.
Já o “G”, de Governança, tem no Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026/2020) um marco regulatório robusto. A lei estabelece metas ambiciosas — 99% de cobertura de água e 90% de esgoto até 2033 — e reforça a transparência por meio de metas contratuais auditáveis. Isso possibilita a captação de recursos via “green” e “social bonds”, com condições mais vantajosas em bancos de fomento e no mercado de capitais, ao atrelar retorno financeiro a resultados socioambientais.
Universalizar o saneamento em áreas precárias exigirá soluções híbridas: redes nas vias principais, sistemas descentralizados em áreas inacessíveis e infraestrutura verde para recarga hídrica e controle de enchentes, conforme diretrizes da Estratégia Nacional de Adaptação à Mudança do Clima.
O desafio é colossal. O novo PLANSAB (2024) estima em R$ 728 bilhões o investimento necessário até 2033, com retorno estimado de R$ 1,4 trilhão (Trata Brasil 2023). Cada real investido retorna até R$ 4,5 à sociedade, além de gerar ganhos imensuráveis em dignidade e preservação ambiental.
Cabe aos tomadores de decisão — públicos e privados — garantir que cada “favela-bairro” tenha água tratada e esgoto coletado. Em um país onde o acesso ao saneamento ainda determina o CEP da dignidade, é preciso afirmar com clareza: saneamento é ESG, é saúde, é justiça. E é agora.
Allan Borges é Superintendente Executivo ESG da CEDAE, Doutorando em Direito da Cidade – Uerj, Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais – FGV e Professor da Escola Superior da Defensoria Pública do RJ