Na semana que há pouco se findou, estive com Fernanda Montenegro. Ela foi ver a apresentação de uma peça que tive a honra de escrever. Uma peça sobre mulheres. Sobre seus amores. Sobre seus cantos. Sobre o que permanece quando parecemos não permanecer.
Fomos jantar. O diretor da peça estava junto, José Possi. E, também, Carmen. E, também, Rafael. Conversamos a vida. A lucidez da senhora dos palcos e das telas, aos 96 anos, é impressionante. Diz ela que descobrir a vocação é metade do caminho da caminhada da bonita vida.Eu concordo. Descobri cedo minha vocação, o de ser servo da palavra. De conviver com ela quando penso, quando digo, quando escrevo. De conviver com ela, também, quando observo.
Foi uma semana e tanto a que, há pouco, se findou.Estive no Amazonas. Falando aos professores e aos pais da belíssima escola do SESC. Levei Julie e Guilherme e minha peça sobre Nelson Gonçalves. A palavra nas canções. Nos dizeres dos que já foram e que ficaram.
De lá, fomos com Aderson e Adriana ver a palavra na dança, na tradição, no belo acontecendo em um dos espetáculos mais fascinantes que meus olhos já viram. Fiquei sem palavras para dizer o que é o Festival de Parintins. Garantido e Caprichoso. E a floresta. E os povos originários. E os ancestrais. E o batuque dizendo que a vida tem gosto. Que o mundo tem gosto. Eu gosto do gosto do mundo.
Na mesma semana, gravei o meu programa da TV Cultura, no Teatro de Arena do SESC Copacabana. Com a banda. Com uma plateia incrível. Com convidados cheios de histórias. Vera Fischer, Totia Meireles, Larissa Luz e mais gente cheia de luz. Na televisão, entramos na vida das pessoas, responsabilidade imensa. E, também, falei ao SENAC RJ no circuito gente, junto com Edilson, do "Baccarelli" e a Luciana, do "Nós do Morro". Dois projetos que usam a palavra na orquestra, no teatro, no cinema, na vida para dar vida digna aos que moram na Favela de Heliópolis, em São Paulo, e no Vidigal, no Rio de Janeiro.
Antes da conversa, passei no Teatro do Mar, projeto lindo da Fernanda e do Pedro. Fernanda faz Piaf na minha peça "Território do Amor", a peça que Fernanda Montenegro foi ver, antes de jantarmos. A peça que Antonio Queiroz viu e reviu e viu de novo e ajudou a acontecer. Fernanda, a que faz Piaf, se emocionou ao dizer o que dizer a tantos jovens que sonham em encontrar a vocação em um palco.
Ainda tive tempo de ir a Aracaju e falar com educadores. E estar perto de Aparecida e de Marcos. E de sentir o calor humano do nordeste brasileiro.
O gosto do mundo depende do que a gente gosta da gente. E das gentes.Eu não consigo gostar das gentes, se não gostar de mim mesmo. Do que eu não decidi e do que depende de mim. Eu nasci sem decidir. Se pudesse, decidiria igual. A minha cidade, a minha pátria, os meus pais.
Os meus pais que me apresentaram o amor. E que me fizeram compreender que minha vocação nos textos ou nas falas é jamais deixar de dizer o amor. E, na vida, de viver o amor.Quem diz e não vive não diz. Ecoa ventos dos outros. Faz para receber o aplauso, mas, na solidão, fica só. Na solidão, temos que estar acompanhados.
Enquanto escrevo, estou na solidão cheio de companhias. Em mim, moram as imagens que vi nessa semana e nas outras e os livros que li e as aprendizagens de tantos encontros que a vida deu a mim.
O gosto do mundo está no observar o mundo. Está no se sentir parte do mundo. Do mundo grande. Do mundo que tem a vocação de se expandir quando autorizamos.Os que se trancam por razões tantas, por dores não compreendidas, por se sentirem fora do mundo, se perdem. E minha vocação é, modestamente, ajudar a encontrar.
No dia da peça em que as Fernandas estavam, o teatro lotado aplaudia as atrizes incríveis e o incrível ator que contava a história. E eu vi pessoas de todas as idades autorizando a emoção a estar presente. Uma senhora que chorava me abraçou e agradeceu. Outros também fizeram isso.
Gratidão a minha de trabalhar com o que aprendi e que me faz estar entre as pessoas. Gostar do gosto do mundo é gostar de viver entre. De saber que as estações do ano acontecem também nos encontros e desencontros da vida. Mesmo nos invernos, eu gosto de estar entre e de, estando entre, aguardar a primavera.