Manoela Peres é secretária de Governança e Sustentabilidade de Saquarema, ex-prefeita de Saquarema e Mestre em Administração Divulgação

Em cada lar, em cada família, existe uma força motriz silenciosa, um trabalho contínuo e essencial que raramente é visto como tal: o cuidado. É a mãe que dedica suas noites ao filho com necessidades especiais, a filha que abdica da carreira para amparar os pais idosos, a dona de casa que gerencia um universo de tarefas para que o lar funcione. Esse esforço, majoritariamente feminino, é o coração da "economia do cuidado", um trabalho não remunerado que, apesar de sustentar a própria estrutura da nossa sociedade, permanece invisível aos olhos das estatísticas e das políticas públicas. O grande desafio é: como podemos, enquanto sociedade, reconhecer, valorizar e, acima de tudo, amparar essas pessoas?
A invisibilidade desse trabalho tem um custo social altíssimo. Milhões de pessoas, em sua maioria mulheres, dedicam a vida inteira ao cuidado de outros, sem qualquer remuneração, sem contribuir para a previdência e, consequentemente, sem uma rede de segurança para a própria velhice. Segundo dados do estudo “Os afazeres domésticos contam”, da professora Hildete Pereira de Melo, esse tipo de trabalho já chegou a equivaler a 12,7% do nosso Produto Interno Bruto (PIB). Mesmo com essa dimensão, a conta não fecha para quem o realiza. Quando envelhecem, essas cuidadoras se veem desamparadas. A pergunta que não pode mais calar é: quem cuida de quem dedica a vida a cuidar?
A resposta a este desafio começa com o reconhecimento. A pauta da inclusão da economia do cuidado no cálculo das contas nacionais do país já está no Senado Federal. Os dois pontos mais importantes dessa proposta são, primeiro, dar visibilidade a esse trabalho, medindo seu valor e impacto social; e segundo, usar esses dados para criar políticas de amparo eficazes, como programas de aposentadoria e suporte para cuidadores. Dar valor a esse trabalho não é apenas uma questão de justiça, mas de inteligência econômica e social.
Em Saquarema, não esperamos a lei ser aprovada para agir. Sempre pautei minha gestão pelo princípio de "cuidar de quem cuida". Quando idealizamos o Centro Dia, pensamos em oferecer um espaço seguro e acolhedor para os idosos, permitindo que seus cuidadores, geralmente filhas e netas, pudessem trabalhar ou simplesmente ter um tempo para si. Da mesma forma, a criação da creche noturna foi uma iniciativa pensada para mães e pais que sonhavam em fazer uma faculdade ou precisavam de um emprego com horário alternativo. Era o poder público garantindo a estrutura para que o cuidador pudesse investir no seu próprio futuro.
Fomos além, com um olhar especial para as famílias de crianças neurodivergentes. Estamos finalizando a construção da Casa do Autista que vai oferecer o melhor para as crianças e, ao mesmo tempo, garantir que seus cuidadores tenham a oportunidade de se inserir no mercado de trabalho. Cada uma dessas ações foi pensada para fortalecer o bem-estar do cidadão e promover uma verdadeira transformação social, com uma gestão com amor e sensibilidade.
O direito de escolher se dedicar ao cuidado deve ser garantido, mas jamais pode ser uma sentença de desamparo futuro. O que fizemos em Saquarema mostra que é possível criar políticas de apoio que funcionam. Agora, precisamos levar essa visão para o âmbito nacional. A presença de mais mulheres na política é fundamental para que pautas como essa, que tocam o cerne da vida cotidiana e da desigualdade de gênero, ganhem a centralidade que merecem. O empoderamento feminino passa, necessariamente, por garantir que o trabalho de cuidado seja uma opção, e não uma imposição que anula todos os outros projetos de vida.
Cuidar de quem cuida não é apenas um ato de justiça com o passado de dedicação dessas pessoas, mas um investimento no futuro de toda a sociedade. É a base para a construção de um país mais forte, solidário e verdadeiramente próspero. É por esse futuro que dedico meu trabalho e meu compromisso.
Manoela Peres é secretária de Governança e Sustentabilidade de Saquarema, ex-prefeita de Saquarema e Mestre em Administração