Era uma vez um maestro. Era uma vez um maestro e suas mãos.Era uma vez um maestro, suas mãos e seus sentimentos.
As mãos do maestro foram mãos crianças, como todas as mãos. Como todas as mãos vocacionadas à construção. Construíram, as mãos do maestro, antes de ser maestro, concertos que consertaram mundos.
Era uma vez um pianista. Era uma vez um pianista e suas mãos. Era uma vez um pianista, suas mãos e seus sentimentos.As mãos do pianista foram dizendo ao piano, "foi para você que eu nasci". O piano, entendedor de mãos e de sentimentos, foi sendo música, foi sendo mundo.
O pianista conquistou o mundo.E, então, surgiu a dor. A dor não impediu a música. A dor doeu os dedos e a alma do pianista.
Da dor, o sonho. Do sonho, a decisão. Era preciso continuar dizendo ao piano "foi para você que eu nasci".
O piano levava os sons para a alma do pianista. E, então, os médicos. E as cirurgias. E a valentia disfarçando o choro. E o choro, sem disfarces, na emoção dos consertos que concertavam mundos.
O pianista olhou para o piano, para as mãos, para os sentimentos e decidiu reger.
A vida.
A música.
A vida dos outros.
Nasceu o maestro.
O maestro, com suas mãos e sentimentos, começou a dizer aos instrumentos que ele estava ali. E aos músicos que a música era a linguagem mais bonita para que a palavra encontrasse o alto.A música é a delicadeza de Deus na sinfonia do mundo.
O maestro, mesmo com as mãos feridas, consertava as rasgaduras que os abandonos provocam nas pessoas.
O maestro conheceu a rainha.
A rainha conheceu o maestro,
Era um dia de luz. E o maestro recebeu um prêmio pela sua vida.E foi, então, que o maestro se referiu à rainha, a rainha Sofia, a rainha da terra onde Cervantes fez Quixote sonhar um mundo de amor, um mundo de amar.
A rainha Sofia olhava os olhos do maestro e autorizava as lágrimas a dizerem o bonito da emoção. Os dois, rainha e maestro, na maturidade de suas vidas sabem o significado do olhar.
O prêmio poderia ser dado a ele por ter sido, como pianista, um dos maiores interpretes de Bach da história.Ou poderia ser dado por ser o maestro cioso do seu ofício de reger, com competência ímpar, os instrumentos e os sonhos.
Os sonhos? Sim, o prêmio foi dado pelos sonhos. Pelo nobre sonho da generosidade. Por transformar a dor em convite aos que, como ele, queriam também dizer à musica, "foi para você que eu nasci".
A sagrada música que abre céus na Espanha ou no Brasil ou em qualquer canto. No coração do maestro, ninguém deveria ser impedido de cantar.
O maestro é João Carlos Martins. O "era uma vez" era só uma forma de dizer uma história que diz aos corações que acordem. João Carlos "é"!
É o menino que disse ao piano, é o homem que diz a si mesmo, é o instrumento que diz ao silêncio, "foi para você que eu nasci".
Que diz ao silêncio ou à música? Só há música no silêncio. É nas pausas que nos afinamos para enfrentarmos as partituras que preenchem o mundo com as nossas vidas.É no silêncio que nos sentimos musicando a vida.
Um maestro, suas mãos e sentimentos e um dizer generoso, "foi para você, para abrir as portas que te autorizam a compartilhar o seu talento, que eu nasci".E os olhos dos que ontem tinham “não” olham com o olhar da rainha as mãos do maestro abrindo caminhos.
Era uma vez um dia de luz.Um maestro. Uma rainha. E uma esperança.
E um som que veio do alto sussurra, “foi para isso que você nasceu”.