Manoel de Brito, o Cabelo, quando foi preso na operação "Os Intocáveis". Ele é apontado como o responsável pela cobrança e negociação de imóveis da milícia - Luciano Belford/Agência O Dia
Manoel de Brito, o Cabelo, quando foi preso na operação "Os Intocáveis". Ele é apontado como o responsável pela cobrança e negociação de imóveis da milíciaLuciano Belford/Agência O Dia
Por ADRIANO ARAÚJO

Rio - Escutas telefônicas autorizadas pela justiça e presentes na denúncia feita pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) revelam a rotina de cobrança, ameaças, negociação de imóveis irregulares, agiotagem, entre outras atividades criminosas dos milicianos de Rio das Pedras, alvos da operação "Os Intocáveis", realizada nesta terça-feira. A ação com a Polícia Civil prendeu cinco acusados de milícia, dois deles suspeitos das execuções de Marielle Franco e Anderson Gomes.

A denúncia divulgada pelo MP mostra a transcrição das gravações. Nas conversas, milicianos ameaçam moradores da comunidade que não pagaram o aluguel de seus imóveis irregulares. Uma gravação de um dos integrantes, identificado como Manoel Batista, o Cabelo, mostra a liderança do ex-cabo da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, o "Capitão Adriano" ou "Gordinho", e Maurício Silva da Costa, o "Maurição", além do major da ativa da PM Ronald Paulo Alves Pereira.  

"Eu tenho oito apartamentos naquele prédio, o resto é tudo do Adriano e do Mauricio entendeu, você procura ele e fala com ele entendeu, não adianta ficar me mandando mensagem, e você fala pro João que o Aurélio acabou de me falar aqui que ele falou que vai cortar os cabos lá no Pinheiro, se ele cortar, eu vou cortar os dois braços dele e as duas pernas", diz Manoel, na ligação de 15 de novembro de 2018.

Na mesma conversa, ele reforça a liderança de Maurição, dizendo que ele manda em tudo: "Ele manda em tudo, como ele não vai mandar no prédio entendeu? (...) Agora eu não posso passar por cima da ordem do homem pô", conclui.

Cabelo participa ativamente das "negociações" e ameaças dentro do ramo imobiliário. Em uma chamada do dia 5 de novembro de 2018, Cabelo conversa com um homem sobre uma moradora que poderia não pagar o aluguel no dia. "Se não pagar o aluguel hoje, amanhã é pra travar não deixar ela entrar não tá", sentencia.

Entre as provas juntadas na denúncia contra o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira estão inúmeras plantas de imóveis, documentação de loteamento de terrenos, "restando evidenciada a sua participação ativa no ramo imobiliário", diz o Ministério Público do Rio.  

Cabelo é apontado como integrante de "destaque" na milícia de Rio das Pedras e espécie de gerente armado da quadrilha. "Ainda é o braço financeiro da quadrilha, responsável pelo acompanhamento da construção dos empreendimentos, bem como negociação, supervisão da cobrança, arrecadação e posterior repasse dos lucros auferidos ilegalmente, além da ocultação dos patrimônios pertencentes à malta (grupo), todas essas funções sob a constante vigilância dos denunciados Adriano e Maurício".

Outro integrante da quadrilha, Júlio César Veloso Serra, apontado como responsável pela contabilidade da quadrilha e homem de confiança do major Ronald e Manoel, destaca a chefia do capitão Adriano em outra escuta, de outubro do ano passado, na qual o chama de "patrãozão".

"Capitão Alexandre", "Maurição" e major da PM Ronald Paulo Alves Pereira: trio é apontado como líderes da milícia de Rio das Pedras - Arte O DIA sob divulgação

Ligações de luz e água irregulares e informações privilegiadas

A denúncia do MP também aponta que os criminosos faziam ligações clandestinas de água e energia em seus empreendimentos imobiliários irregulares. Em conversa com um interessado em alugar um apartamento no condomínio Bosque das Pedras, no Anil, Cabelo fala que os serviços não são pagos. 

"Eu tenho um aí (apartamento), dois quartos, sala, cozinha e banheiro, Mil e Trezentos Reais. Não paga luz, não paga condomínio, não paga água, não paga nada", diz Manoel para a mulher interessada no imóvel. 

O grupo também recebia informações sobre operações tanto de órgãos municipais quando da polícia, inclusive com pagamento de propina para exercerem suas atividades sem serem incomodados. "Eu que levo o negócio pro homem, eu sei quando vem pô", diz Manoel sobre a presença da PM. Em outra conversa com um homem chamado Bruno, uma fiscalização é motivo de preocupação para Manoel.

MANOEL: Tá sabendo que tem alguma coisa amanhã?

BRUNO: Não, não to sabendo não.

MANOEL: Acabou de me ligar aqui que vai ter.

BRUNO: Aonde?

MANOEL: Muzema e Rio das Pedras, falou que não é, é pica heim.

BRUNO: O quê?

MANOEL: Falou que é INEA e Prefeitura.

BRUNO: Eu não aguento não mano.

MANOEL: INEA e Prefeitura, falou que os cara são do caralho.

BRUNO: É?

MANOEL: Hum, hum, eu nem sei o que eu faço.

BRUNO: Não aguenta o coração mais não, na moral

MANOEL: E aí, procura ver se é verdade mesmo.

Por meio da transcrição de áudios foi verificada as relações estabelecidas entre os criminosos e as funções desempenhadas por cada um deles na organização, tais como segurança (ou 'braço armado'), agente de cobrança de taxas, lavagem de dinheiro (na figura de 'laranjas'), agiotagem e forte atuação no ramo ilegal imobiliário.

Dois alvos do 'Escritório do Crime'

Dois dos alvos de prisão, o major Ronald e o capitão Adriano, comandariam o "Escritório do Crime", braço armado da organização especializado em assassinatos por encomenda. Os principais clientes do grupo de matadores profissionais são contraventores e políticos. Há uma suspeita de que o "Escritório" esteja envolvido no assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Tanto Ronald quanto Adriano chegaram a ser ouvidos na condição de testemunhas no caso Marielle. "O caso Marielle corre em segredo de justiça. São investigações que não se confundem. Não podemos, nesse momento, nem afirmar e nem descartar a participação de todos ou de alguns desses integrantes no caso", disse Simone Sibilio, outra das promotoras que investiga as execuções da vereadora e do motorista. "É possível sim que eles façam parte do escritório do crime e as investigações serão aprofundadas nesse sentido", concluiu.

Foram denunciados Adriano Magalhães da Nóbrega, mais conhecido como "capitão Adriano" ou "Gordinho"; Ronald Paulo Alves Pereira, o major Ronald ou "Tartaruga"; Maurício Silva da Costa, conhecido como "Maurição", "Careca", "Coroa' ou "Velho"; Marcus Vinicius Reis dos Santos, "Fininho"; Manoel de Brito Batista, "Cabelo"; Júlio Cesar Veloso Serra; Daniel Alves de Souza; Laerte Silva de Lima; Gerardo Alves Mascarenhas, o "Pirata"; Benedito Aurélio Ferreira Carvalho, "Aurélio"; Jorge Alberto Moreth, o "Beto Bomba"; Fabiano Cordeiro Ferreira, o "Mágico" e Fábio Campelo Lima.

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