Publicado 09/02/2022 14:42 | Atualizado 09/02/2022 16:22
Rio - A volta para casa após três dias preso encheu Yago Corrêa, de 21 anos, de gratidão por estar reunido com a família e amigos outra vez. O estudante foi preso por policiais militares no último domingo (6), na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, por tráfico de drogas e associação para o tráfico, mesmo sem ter envolvimento com a criminalidade e antecedentes criminais. Apesar do alívio, o sentimento de revolta e tristeza por ter sido preso injustamente ainda estão presentes na mente do jovem.
"Ficou o sentimento de agradecimento por estar em casa, porque lá não é lugar nem para mim, nem para outras pessoas. Principalmente para quem não cometeu nenhum crime. Tive muito medo, não em respeito aos presos, mas medo pelo olhar da sociedade, medo de ficar preso injustamente por algo que eu não cometi", desabafou Yago.
No início da noite do dia 6 de fevereiro, a vítima havia comprado pães para um churrasco com amigos e, ao deixar a padaria, correu para uma farmácia, para se proteger de uma confusão que se formou na comunidade. Ele foi preso dentro do estabelecimento, com a sacola de pão na mão, junto com um adolescente que carregava uma bolsa com 30 gramas de cocaína e 150 gramas de maconha.
O estudante afirmou na delegacia que não conhecia o adolescente detido com drogas e disse que estava comprando pão para um churrasco, quando foi abordado pelos policiais. A versão foi corroborada por familiares que procuraram a delegacia e por amigos que estavam na confraternização e foram chamados para depor.
A Polícia Civil, inicialmente, pediu a conversão da prisão em flagrante, para preventiva. Mas reviu a decisão após reconhecer "dúvida razoável" sobre a prática de crime por parte de Yago. Os policiais disseram em conversa informal que ele "talvez estivesse no lugar errado na hora errada". Nesta terça-feira (8), após passar por audiência de custódia, a Justiça do Rio concedeu liberdade provisória ao jovem. Para Yago, sua prisão foi motivada por racismo.
"É um sentimento de revolta, de tristeza. Ser pobre, preto e favelado no Brasil é difícil. Se fosse fora da favela, na Zona Sul, um branco burguês, o tratamento seria diferente. Essa diferença é muito gritante. A carne mais barata do mercado é a carne negra, mandam inocentes para presídios, só cego não vê”, lamentou o jovem, que contou ainda não ter conseguido dormir ou se alimentar nos dias em que ficou preso.
"Eu só pensava em chorar, pensava na minha família, nos meus amigos. Nunca pensei que eu fosse passar por isso na minha vida. Fiquei muito desesperado, não consegui dormir, não consegui comer. Eles fizeram uma covardia comigo. Só porque eu sou preto, eles fizeram isso comigo. Eu quero justiça", lembrou o estudante, que é o filho mais novo de sete irmãos e também entrega doces da família.
Ontem, o jovem foi recepcionado pelos parentes, amigos e vizinhos com festa e churrasco. A prima Edilaine Alcântara contou que Yago está passando por tratamento de tuberculose e que não merecia viver essa situação, por ser inocente e por já ter sofrido traumas quando era mais novo, como a morte da própria mãe.
"Ontem, fizemos uma festa para ele, teve pão de alho, churrasco com os familiares, amigos, vizinhos, que estão dando todo o suporte, como sempre deram. Ele nunca teve nenhum envolvimento com nada e teve que passar por uma situação dessas. O pior é que ele está fazendo tratamento de tuberculose, ele é um menino que teve vários traumas, ele encontrou a mãe dele morta dentro de casa por infarto fulminante e ainda teve que passar por mais essa, sem culpa", lamentou a prima.
Apesar de ter sido solto, o estudante precisa comparecer mensalmente ao cartório do Juízo criminal da 38ª Vara Criminal da Capital, com o primeiro comparecimento ocorrendo em dez dias após sua soltura. Yago também não pode deixar o estado por mais de dez dias e se mudar sem autorização da Justiça. "Queremos que esse processo se encerre, que a ficha dele seja limpa e ele seja absolvido. Pedimos um basta para essa necropolítica. Chega", declarou Edilaine. Agora, o que o jovem mais deseja é que o caso não se repita com outros Yagos.
"Agora, espero que seja feita a justiça, para que não aconteça com outros o que aconteceu comigo, que não tenham mais Yagos por aí sendo acusados por algo que não cometeram. Espero que esse racismo, esse preconceito, essa colonização racial, tudo isso acabe", ressaltou.
Presos injustamente
Em dezembro do ano passado, após passar 20 dias na cadeia, encarcerado por um crime que não cometeu, o estivador Alberto Meyrelles Santa Anna Júnior, de 39 anos, conseguiu deixar a prisão. Ele foi preso em novembro, com base no reconhecimento de uma foto 3x4 de uma CNH sua que havia sido roubada no dia do crime do qual é acusado. Ele é supervisor de uma empresa na Zona Portuária no Rio na qual trabalha de carteira assinada há 20 anos.
Segundo o inquérito policial, o documento de Alberto foi encontrado em um carro Toyota Corolla, mesmo modelo de veículo utilizado pelo grupo que o havia assaltado. A carteira de habilitação foi, então, apresentada pela polícia à mulher vítima do outro roubo, que o identificou como autor do crime apenas pela fotografia da CNH.
A prisão injusta também aconteceu com o músico macaense Vinícius Matheus Barreto Teixeira, que chegou a ficar preso durante dez dias, em outubro de 2021, apontado como filho do traficante Messias Gomes Teixeira, responsável pelo tráfico de drogas em uma comunidade de Niterói. Era seu filho quem recolhia o dinheiro do tráfico. Entretanto, a única aproximação entre o músico e o traficante é o nome, já que o pai de Vinícius também se chama Messias Gomes Teixeira, mas trabalha para uma empresa de transporte em Macaé.
Assim como no caso do estivador, o reconhecimento fotográfico também levou à prisão injusta por 69 dias, do jovem Maicon Valentim, de 23 anos. Ele foi reconhecido por print do Facebook como autor de um assalto que aconteceu 2019. Maicon foi absolvido após a vítima do crime ter negado que ele seria o responsável pelo roubo. Ao ser questionada, disse não ter ciência da imagem. O print, contudo, é mencionado no depoimento de 2019, que foi assinado pela vítima.
No mês de setembro do último ano, o motaxista Alexandre dos Reis Pereira Camargo, de 23 anos, foi solto, depois de passar um mês e uma semana preso injustamente por reconhecimento fotográfico. Ele foi acusado de tentativa de homicídio contra policiais durante troca de tiros no Morro da Providência, no Centro do Rio, em 9 de junho de 2020.
Alexandre foi detido enquanto renovava a habilitação em um posto do Detran em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio. Ele conta que nunca esteve na Providência. Além do tempo perdido na prisão, Alexandre ainda precisou arrumar outra ocupação, porque familiares precisaram vender sua moto por necessidades financeiras.
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