Jovem deixou padaria com saco de pão antes de ser presoReprodução/Voz das Comunidades

Rio - Câmeras de segurança registraram o momento em que Yago Correa, de 21 anos, esteve em uma padaria da favela Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, no último domingo (6), onde comprou pão para um churrasco com amigos, pouco antes de ser preso por tráfico de drogas. As imagens publicadas pelo Voz das Comunidades mostram o estudante entrando no local com uma camisa do Flamengo e se dirigindo ao balcão. Em seguida, ele deixa o local com um saco de pão.
Confira:
O jovem foi detido por dois policiais militares na comunidade. Segundo o registro de ocorrência, ele foi preso junto com um adolescente, que estava com uma bolsa com 30 gramas de cocaína e 150 gramas de maconha. Em entrevista ao BDRJ da TV Globo, a irmã de Yago, Érica Correa, contou que ele se abrigava de uma correria dentro uma farmácia, logo após ter deixado a padaria, e foi confundido com criminosos.

"Yago é um menino muito tranquilo, muito prestativo. Inclusive, ele se disponibilizou para sair do churrasco para comprar o pão. Yago foi até a padaria da comunidade, entra na padaria para poder buscar o pão e sai da padaria. Quando chegando em torno da farmácia, houve uma correria. Yago se abriga, como todo mundo correu para se abrigar, para se proteger. Yago corre e se abriga na farmácia. Os 'polícia' chegam, 'vê' Yago dentro da farmácia com o saco de pão na mão, a qual nós temos acesso às câmeras. Yago é puxado, arrastado para fora da farmácia com o saco de pão na mão. O pão é jogado fora, chutado e Yago Corrêa de Souza é associado ao tráfico de drogas", relatou a irmã.

Desde sua prisão, parentes e amigos tentam comprovar que ele não tem envolvimento com o tráfico de drogas. O estudante afirmou na delegacia que não conhecia o adolescente detido com drogas e disse que estava comprando pão para um churrasco, quando foi abordado pelos policiais. A versão foi corroborada por familiares que procuraram a delegacia e por amigos que estavam na confraternização e foram chamados para depor.

"Ao chegar na delegacia, Yago já tinha sido fichado como traficante de drogas. Quando a gente chega na delegacia para tentar provar a inocência, já tinha o boletim de ocorrência de Yago traficante. A gente começa a buscar provas, começa a perguntar se havia possibilidade dos amigos que estavam no churrasco comparecerem à delegacia. O delegado aceita e os amigos na mesma hora se disponibilizam, vão à delegacia, deixam documento, identidade, mostram fotos e aí o delegado começa a entender que pode estar havendo uma injustiça", contou Érica, que soube da prisão por uma amiga da família, que acompanhou o jovem para evitar que ele fosse vítima de violência.

"Uma amiga nossa que estava ali, que conhece o Yago desde pequeno, acompanhou todo o ocorrido e pediu para o esposo dela ir nos avisar. Ali, eles tomaram conhecimento e acompanharam o Yago atrás dos policiais para que não acontecesse algo pior, porque moramos na comunidade e sabemos que há covardia de policiais dentro das comunidades, nos becos e vielas."

A Polícia Civil, inicialmente, pediu a conversão da prisão em flagrante, em preventiva. Mas reviu a decisão após reconhecer que há "dúvida razoável" sobre a prática de crime por parte de Yago. Os policiais disseram em conversa informal que ele "talvez estivesse no lugar errado na hora errada". Nesta terça-feira (8), familiares aguardam pela audiência de custódia que pode soltar Yago, a partir das 13h, na porta da Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, também na Zona Norte.
Em nota, a Polícia Civil esclareceu que "surgiram novos elementos após a prisão em flagrante e o delegado teve o entendimento de que deveria ser instaurado um inquérito policial para que os fatos sejam apurados com mais detalhes e considerando as informações adicionais surgidas durante o procedimento de investigação". Ainda de acordo com a nota, "o próprio delegado de plantão, verificando dúvida razoável da participação de Yago na ocorrência, solicitou e representou à Justiça pela soltura do jovem para que os fatos sejam melhor investigados dentro deste inquérito policial."
Cidade Integrada

A comunidade do Jacarezinho foi escolhida para receber o programa Cidade Integrada do Governo do Estado. No último dia 19, houve uma operação com 1,2 mil policiais na favela com as polícias civil e militar para implementação do projeto que promete não repetir as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) e levar infraestrutura, educação, trabalho e segurança para as comunidades.

"Há nove anos atrás, acompanhamos uma ocupação da polícia, onde nos prometiam melhorias, empregos e não foi o que aconteceu. Então, expectativa a gente não tem nenhuma. A expectativa que a gente tem é de ver inocentes sendo presos, casas invadidas, pessoas de bem que trabalham para construir suas coisas vendo tudo quebrado. Essa é a expectativa, isso é o que a gente tem vivido hoje dentro do Jacarezinho", desabafou Érica.
Presos injustamente

Em dezembro do ano passado, após passar 20 dias na cadeia, encarcerado por um crime que não cometeu, o estivador Alberto Meyrelles Santa Anna Júnior, de 39 anos, conseguiu deixar a prisão. Ele foi preso em novembro, com base no reconhecimento de uma foto 3x4 de uma CNH sua que havia sido roubada no dia do crime do qual é acusado. Ele é supervisor de uma empresa na Zona Portuária no Rio na qual trabalha de carteira assinada há 20 anos.
Segundo o inquérito policial, o documento de Alberto foi encontrado em um carro Toyota Corolla, mesmo modelo de veículo utilizado pelo grupo que o havia assaltado. A carteira de habilitação foi, então, apresentada pela polícia à mulher vítima do outro roubo, que o identificou como autor do crime apenas pela fotografia da CNH.
A prisão injusta também aconteceu com o músico macaense Vinícius Matheus Barreto Teixeira, que chegou a ficar preso durante dez dias, em outubro de 2021, apontado como filho do traficante Messias Gomes Teixeira, responsável pelo tráfico de drogas em uma comunidade de Niterói. Era seu filho quem recolhia o dinheiro do tráfico. Entretanto, a única aproximação entre o músico e o traficante é o nome, já que o pai de Vinícius também se chama Messias Gomes Teixeira, mas trabalha para uma empresa de transporte em Macaé. 
Assim como no caso do estivador, o reconhecimento fotográfico também levou à prisão injusta por 69 dias, do jovem Maicon Valentim, de 23 anos. Ele foi reconhecido por print do Facebook como autor de um assalto que aconteceu 2019. Maicon foi absolvido após a vítima do crime ter negado que ele seria o responsável pelo roubo. Ao ser questionada, disse não ter ciência da imagem. O print, contudo, é mencionado no depoimento de 2019, que foi assinado pela vítima.
No mês de setembro do último ano, o motaxista Alexandre dos Reis Pereira Camargo, de 23 anos, foi solto, depois de passar um mês e uma semana preso injustamente por reconhecimento fotográfico. Ele foi acusado de tentativa de homicídio contra policiais durante troca de tiros no Morro da Providência, no Centro do Rio, em 9 de junho de 2020.
Alexandre foi detido enquanto renovava a habilitação em um posto do Detran em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio. Ele conta que nunca esteve na Providência. Além do tempo perdido na prisão, Alexandre ainda precisou arrumar outra ocupação, porque familiares precisaram vender sua moto por necessidades financeiras.