Queima de fogos em Copacabana Banco de Imagens / Agência O Dia

Rio - Organizações que atuam em defesa de pessoas com Transtorno do Espectro Autista e ONGs que cuidam de animais comemoraram a aprovação do projeto de emenda à lei orgânica do município que proíbe o uso de fogos de artifício com barulho na cidade do Rio. A medida, que foi votada pela Câmara Municipal, na última terça-feira (6), ainda não será válida para o Réveillon deste ano e o próximo Carnaval.
O projeto de emenda, elaborado pelo vereador Luiz Ramos Filho (PMN), permite apenas os fogos que produzem menos de 120 decibéis e, mesmo assim, só com autorização da prefeitura e por instituições. O objetivo é minimizar e evitar acidentes, impedindo transtornos aos animais, autistas, idosos, crianças e enfermos. A presidência da Câmara deverá promulgar a alteração na lei orgânica até o fim da semana.
Para a psicopedagoga Gercimara Nascimento, membro do conselho diretor técnico da Associação Mão Amiga, localizada na Pavuna, Zona Norte do Rio, responsável por estimular o desenvolvimento de pessoas com autismo, a determinação é uma vitória e um ato de respeito ao próximo.
"Acreditamos que seja uma importante vitória, um ato de visibilidade e de respeito ao próximo. Cada autista é diferente do outro, então o modo que são afetados pelos barulhos dos fogos também podem ser diferentes. Mas em geral, o incômodo pode ser extremo gerando dores de ouvido, dores de cabeça, ansiedade e outros comportamentos, que podem deixá-los desregulados emocionalmente e sensorialmente durante alguns dias", explicou.
Gercimara, que é especialista em neurociência e desenvolvimento infantil, comemorou a decisão, mas ressaltou que tem outras questões ainda a serem conquistadas.
"Quanto mais o autista e suas famílias tiverem voz, mais a neurodiversidade poderá ser ampliada e é por isso que potencializamos nossos meninos e meninas autistas a estarem em todos os espaços. É preciso compreender que pessoas autistas podem precisar de adaptações e que isso não significa diminuir ou excluir, mas garantir que frequente espaços e tenha experiências de vida", completou a psicopedagoga.
Quem também comemorou foi Andrea Bussade, presidente do Instituto Rio TEAMA, que atua em defesa de pessoas com autismo. De acordo com ela, o barulho provocado pelos fogos de artifício causa desorientação e, em épocas de festa, os eventos podem até terminar devido a comportamentos agressivos que as pessoas com autismo apresentam.
"Eu sou mãe de um rapaz autista que tem 23 anos. Eles tem uma parte sensorial muito intensa. Por isso, o barulho incomoda muito. Se eles estiverem em uma festa de Réveillon, aquele barulho os desorganizam, podendo acabar a festa para a família inteira. Os fogos acabam causando um problema comportamental. Para mim, a aprovação é muito importante. Precisamos de projetos de lei que trazem uma melhoria de vida para pessoas com autismo e para sua família", contou Bussade.
Vitória para os protetores de animais
A medida também foi elogiada por Marcelo Marques, presidente da Sociedade União Protetora dos Animais (SUIPA). Segundo ele, o barulho dos fogos pode contribuir com aumento do número de mortes de animais levando em conta a audição aguçada que eles possuem.
"Eu acho genial essa medida. Para mim, a beleza está no visual e não no barulho que atormenta muito os animais. Quando há tiroteio aqui na região, os animais ficam excitados porque a audição é muito mais aguçada do que a nossa. O animal sai correndo porque quer se livrar daquele incomodo e ele pode ser atropelado. Nos canis, sempre tem briga que podem virar óbitos. Eles ficam acuados e com medo. É muito triste", contou Marcelo.
O presidente da SUIPA pediu que, em casos de barulho, os tutores fiquem próximo de seus animais e os protejam. "Sempre tento comparar o animal com nós. Ele se sente inseguro. É importante a presença do tutor e a proteção de quem ele confia", completou.
Para Christianne Duarte, presidente e fundadora da Associação Quatro Patinhas, a aprovação do projeto de lei é um alívio para os animais que sofrem com o barulho dos estouros. Chris, como também é conhecida, revelou que conheceu animais que morreram por infarto devido ao som dos fogos.
"Acho super importante a aprovação. Todo mundo queria isso não só apenas a causa animal. É uma coisa horrível. Os animais sofrem muito. Eu, por exemplo, fico presa todo fim de ano com os bichos em casa e fico desesperada. Já acompanhei de perto e conheci animais que morreram. É muito importante que o tutor fique com os animais. Quem é responsável por uma vida tem que sacrificar um pouco de lazer nesses casos", comentou a presidente da associação. 
Réveillon e Carnaval com desconfiança
Nesta terça-feira (6), Luiz Ramos Filho afirmou que as organizações do Carnaval, Réveillon e Rock in Rio terão que se adaptar. O político ainda quer aprovar um projeto de lei estabelecendo a fiscalização e a penalização de quem não cumprir a proibição do uso de fogos de artifício com estampido. A ideia é que a penalização varie de R$ 200 a R$ 1.500.
"O cidadão está proibido de soltar fogos. E o poder público só pode soltar fogos com barulho reduzido em 50%. Vamos evitar muitos acidentes e incêndios e livrar os animais e os autistas da barulheira que faz tanto mal. Rock in Rio, Carnaval e Réveillon vão ter que se adequar”, disse o vereador.
Pelo texto da emenda, a medida passa a valer apenas 180 dias depois de sua publicação, o que corresponde a seis meses. Levando em consideração esse tempo, a Empresa de Turismo do Município do Rio (RioTur) revelou que o Réveillon deste ano continua com os fogos de artifício normais.
O Carnaval segue da mesma maneira. A prefeitura está elaborando uma cartilha para orientar a população da cidade sobre o tema. Ao DIA, o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), Jorge Perlingeiro, informou que o Carnaval é um evento a parte e não deve ser atingido pela nova determinação.
"Já é praxe soltar fogos na abertura e isso obviamente não deve ser afetado. Soltamos fogos lá na Avenida Presidente Vargas, um local que não é residencial. Não vejo uma forma que a gente possa ser atingido. Mesmo que fosse em um prazo para começar agora, haveria uma autorização. Eu vejo que o Carnaval e o Réveillon não serão atingidos. Vamos fazer normal como fazemos todo ano. Os fogos são agregados e não tem nada de espaço pirotécnico. Não é só barulho. É um espetáculo visual e cênico", comentou Perlingeiro.
A queima de fogos com estampido deve continuar sendo realizada também em hotéis particulares, conforme explicou Alfredo Lopes, presidente do Sindicato dos Meios de Hospedagem do Município do Rio de Janeiro (Hotéis Rio). De acordo com Alfredo, a proibição não deve afetar o turismo em épocas de Réveillon e Carnaval.
"Esse projeto para os nossos eventos não tem nenhum impacto porque todos os eventos são realizados pela prefeitura. As queimas de fogos também são em parcerias com a prefeitura. No nosso caso, especificamente, não vamos ser afetados por isso. Os fogos com nenhum barulho é igual um filme
mudo e não tem graça sem ser sonorizado. Acho que perde muito no efeito de emoção", comentou o presidente.
Questionado, o Rock in Rio informou que não utiliza fogos com estampido e seguirá trabalhando de acordo com as regulamentações e normas vigentes à época do evento. Procurada, a empresa responsável pela organização do Réveillon deste ano ainda não se manifestou.