Na iminência de sofrer despejo, ocupação com 70 famílias busca recurso no STF ou alojamento provisório
Reclamação ao Supremo Tribunal Federal interposta pela Defensoria Pública do Rio tenta reverter a decisão em segunda instância que prevê o despejo em 24 horas com uso de força policial. O prazo se encerra às 18h30 desta sexta-feira
Cerca de 70 famílias participam da Ocupação Luiz Gama, em um prédio no Centro do Rio - Divulgação
Cerca de 70 famílias participam da Ocupação Luiz Gama, em um prédio no Centro do Rio Divulgação
Rio - Na iminência de sofrer uma ordem de despejo, o movimento por moradia que organiza a ocupação Luiz Gama, no Centro do Rio, busca alternativas para as 70 famílias que ocupam há um mês um imóvel abandonado há anos na Rua Alcântara Machado, 24. Uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal interposta pela Defensoria Pública do Rio tenta reverter a decisão em segunda instância que prevê o despejo em 24 horas do prédio, com uso de força policial. O prazo se encerra às 18h30 desta sexta-feira.
Além do recurso jurídico, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) tenta com instituições do Poder Público alternativas, mesmo que provisórias, para os trabalhadores em déficit habitacional. Uma reunião foi realizada na quinta-feira (15) e soluções foram discutidas, como alojamento em escola, mas o prazo imposto pelo desembargador Francisco de Assis Pessanha Filho, da 14ª Câmara Cível, parece insuficiente para a transferência das famílias.
"Já temos uma mesa de negociação que inclui a Secretaria de Infraestrutura do estado e a subsecretaria de Habitação. A gente quer que alguma alternativa seja providenciada. Tentamos acelerar uma solução, mas o prazo de 24 horas é muito curto. Não dá tempo de articular nada", afirmou a coordenadora do MLB Paula Guedes.
Além do tempo para tomadas de decisão do Poder Público, Paula Guedes ressalta a ausência de políticas de moradia para acolher esta população. " Além da demora, há uma ausência de qualquer política de moradia. A gente tem que construir tudo do zero porque não existe política para famílias em ocupação despejadas. Nem mesmo de aluguel social", completa.
Movimentos sociais e estudantis foram convocados para apoiar as famílias e pressionar por uma solução. Na quinta-feira, o Ministério Público Federal enviou um ofício ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro defendendo a manutenção do prazo original de 20 dias úteis para desocupação pacífica e voluntária do imóvel. O objetivo é estabelecer com os órgãos de habitação uma alternativa aos ocupantes ou inclusão em políticas públicas de moradia.
A Justiça de primeiro grau tinha dado um prazo de 20 dias para a desocupação do imóvel, que se encerraria no dia 10 de janeiro. Durante o período, a ocupação as negociações com órgãos públicos estavam em andamento. "A Secretaria Estadual de Habitação havia garantido a construção de 150 moradias no Centro ou a designação de algum imóvel como opções provisórias, com a locação social de algum prédio público", afirma Paula Guedes.
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No entanto, na noite de quarta-feira (14), o desembargador Francisco de Assis Pessanha Filho reviu o que havia arbitrado a 1ª instância da Justiça. Na 2ª instância, o magistrado da 14ª Câmara Cível encurtou o prazo para 24 horas. Ele afirmou que o tempo conferido na 1ª instância era "exagerado".
"Não é plausível esperar que quem ocupa um imóvel, ao arrepio da legislação pátria, o desocupe em ato voluntário, mormente quando se estabelece um exagerado prazo de 20 dias úteis, cujo efeito prático equivale a manutenção irregular da posse", escreveu.
O prédio de quatro andares fica na região entre a Praça Mauá e a Candelária, no Centro do Rio. As famílias em situação de déficit habitacional são compostas por trabalhadores como ambulantes, domésticas, cuidadores de idosos, pedreiros, crianças e aposentados. O grupo ocupou o imóvel em 16 de novembro e busca uma solução permanente ou transitória com o Estado do Rio.
"O nosso objetivo não é ficar nesse prédio ou depredá-lo. Nosso objetivo é conseguir alojar essas famílias. Não deixá-las despejadas durante o Natal", reivindica a coordenadora do MLB.
Na decisão que antecipou o despejo para 24 horas, o desembargador Francisco de Assis acrescentou que casos referentes a ocupações têm sido frequêntes no tribunal e afirma que os atos "vilipendiam o direito fundamental à propriedade".
"Nesse ponto, é mister asseverar que casos referentes a ocupações irregulares por grupos vulneráveis têm se tornado corriqueiros nesta Egrégia Corte de Justiça, em que se vilipendia o direito fundamental à propriedade, sendo necessária a imediata intervenção do Poder Judiciário, com o desiderato de manter a ordem pública", afirmou o desembargador Francisco de Assis.
Na outra ponta, o movimento social conclama o direito humano à moradia digna. As famílias denunciam que foi reforçado o policiamento no local. O grupo é apoiado juridicamente pela Defensoria Pública, pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ e por núcleos de advocacia popular.
O Governo do Estado afirmou que continua participando das negociações e segue com o compromisso de construir novas unidades habitacionais no Centro do Rio a fim de atender as famílias que se enquadram nos critérios do Programa Casa da Gente, criado para combater o déficit habitacional do estado. O Governo acrescenta que conta com a participação do município na identificação de um terreno disponível na região para que a construção dessas moradias possa ser efetiva.
Procurada, a Polícia Militar disse que desde o dia 16 de novembro, policiais do 5° BPM (Praça da Harmonia) intensificaram o policiamento na Rua Alcântara Machado, localizada na região Central da Cidade do Rio de Janeiro, devido a uma invasão em um edifício localizado no referido endereço. De acordo com o comando da unidade, os agentes estão "reforçando o policiamento no entorno do prédio e evitando que um novo grupo de invasores acesse o interior do imóvel, a fim de garantir o cumprimento de uma decisão judicial que estabeleceu um prazo de 24h para a desocupação do imóvel".
A PM informou ainda que a propriedade invadida está localizada nos arredores do cofre do Banco Central e portanto, a Corporação segue atuando para "preservar a segurança pública nacional, bem como a integridade física de todos os envolvidos no conflito, principalmente de crianças e idosos". Até o momento, não foi necessário o uso da força.
A Justiça do Rio afirmou que a decisão da 14ª Câmara Cível no recurso para retomada do imóvel foi enviada para conhecimento do juízo da 50ª Vara Cível.
A Secretaria Municipal de Assistência Social disse que só atua em casos de desocupação em propriedade privada mediante determinação judicial. Mesmo sem receber essa determinação, a SMAS em alinhamento com a Secretaria Municipal de Habitação fez o diagnóstico socioassistencial e identificou 22 famílias sem Cadastro Único no prédio.
"O CRAS Dodô Portela está articulando com as famílias para realizar a inscrição de todas, prestando todo o atendimento socioassistencial necessário", informou a secretaria, que ainda reforçou não ter recebido qualquer informação ou notificação judicial sobre "despejo".