Dominique tem cinco cães e não sai de casa no ano novo para poder protegê-los do barulho dos fogosArquivo Pessoal/ L.A.Foto Estúdio

Rio - O Projeto de Emenda à Lei Orgânica que proíbe o uso de fogos de artifício com ruído, aprovado no início deste mês, passará a vigorar em 180 dias da publicação, mas não abrange o réveillon de Copacabana. No entanto, segundo a SRCOM, empresa contratada pela Prefeitura do Rio para produzir o evento, os fogos estarão abaixo do limite de 120 decibéis determinados pela lei. Preocupados com o bem-estar dos animais, ONGs e tutores dão dicas de cuidados com cães e gatos que sofrem com o barulho. De acordo com uma pesquisa da plataforma de marketplace Petlove, 85% dos bichos têm medo dos fogos. Além disso, esse período também pode ser prejudicial para as crianças, os idosos e os autistas que também não se sentem confortáveis com o som.


A administradora Dominique Moura Dantas da Silva, de 27 anos, tem quatro cachorros e evita fazer qualquer coisa no ano novo para não deixá-los sozinhos. "A maioria dos cães têm medo de fogos. Acredito que seja porque eles têm uma audição mais aguçada que a nossa, tudo para eles é mais intenso. Por isso, tenho medo dos riscos que são vários, como infarto, convulsão, epilepsia, entre outros. Alguns podem até morrer".

Moradora do Catete, Zona Sul do Rio, Dominique também trabalha como cuidadora de animais. "Eu tive uma cachorra idosa que tinha pânico de fogos. Por isso, todo fim de ano passo em casa, na companhia dos meus cães e também cuido de outros. Ela ficava babando, muito nervosa, soltava pelo, tremia-se inteira, então meu medo era que ela infartasse. Eu sempre tomo todos os cuidados possíveis e tento alertar os tutores de não deixá-los sozinhos, trancarem as portas, colocarem identificação na coleira, essas coisas. Aqui a gente fecha todas as janelas, deixamos eles em um ambiente tranquilo e controlado para que tudo dê certo".

A médica veterinária da rede Petlove, Jade Petronilho, informou que muitos cães e gatos apresentam algum tipo de medo relacionado a barulhos excessivos, principalmente de fogos de artifício. "Há animais habituados a este tipo de situação, mas aqueles que não são podem até se acostumar. Tudo depende da forma como o tutor cuida. Por exemplo, pode dar petiscos ao animal para mostrar que aquilo não é ameaçador, minimizando assim o problema. Mas ainda assim é bem complicado ter donos que saibam driblar essa questão. Como a maioria se assusta, a gente indica alguns calmantes, sempre sob orientação de um profissional, para deixá-los mais tranquilos e não sofrer tanto. É importante ressaltar que não se pode deixar o bicho sozinho em hipótese alguma nessa situação. Eles podem se machucar, sair correndo, pular a janela, é muito comum esses acidentes neste período do ano".

Segundo Jade, outra dica também é fazer um passeio longo com o animal no dia da virada, para que ele fique cansado e durma mais. Ela também explicou que o grande problema não é o som, mas a frequência. "O estrondo para eles vai ser um pouco mais intenso do que para a gente porque não temos a capacidade auditiva. Quando o pet ouve o barulho dos fogos, não sabe o que está acontecendo, o que pode ser um susto grande. O latido deles também é um sinal de ansiedade e medo".
A fundadora e presidente da ONG Toca do Bicho, Amanda Daiha, 44, protetora dos animais há 24 anos, disse que essa é uma das épocas que os bichos mais fogem de casa. Ela declarou que muitos se assustam e saem correndo, podendo ser até mesmo atropelados. Além disso, os que ficam sozinhos em casa correm o risco de infartar ou ter crise de ansiedade por causa do barulho. "São poucas as pessoas que têm consciência que o animal não pode ficar sozinho em casa. Muitos largam eles o dia inteiro, chega a noite e é o ápice e o pet pode infartar. Algumas dão até calmante para o cachorro, mas não é assim que se faz. Tem que ter orientação de um veterinário e todo um cuidado para poupá-los nesse momento. Já vi casos de animais em apartamentos que pularam a janela, em Copacabana mesmo."

Amanda informou que começará uma campanha de conscientização nas redes sociais para que os tutores cuidem de forma apropriada de seus animais de estimação durante a virada.
A Emenda 
A regra, publicada pelo presidente da Câmara Municipal do Rio, Carlo Caiado, proíbe qualquer utilização de fogos de artifício por indivíduos isolados mas permite o uso de fogos sem estampidos ou, ainda, os que produzam barulho de até 120 decibéis nos casos de eventos realizados pela Prefeitura do Rio ou por instituições autorizadas pelo Executivo municipal. A proposta tem o objetivo de proteger principalmente animais e pessoas sensíveis, como as com transtorno do espectro autista.

"A tecnologia ao longo dos anos vem permitindo que os fogos sejam mais brilhantes, com uma maior facilidade e flexibilidade em imprimir desenhos e formas, e também na redução de ruídos. A própria tecnologia, independente de qualquer lei, já vem reduzindo os barulhos ao longo desses anos", disse Paulo César Ferreira, Vice-Presidente Executivo da SRCOM. "Independente da lei estar ou não em vigência, o que nós podemos garantir é que os fogos de Copacabana estarão abaixo do limite de 120 decibéis conforme determinados. Para nós sermos exatos com o volume, nós teríamos que entender uma série de outras questões, uma série de variáveis como velocidade do vento, pressão atmosférica, como vai ser medido, enfim, uma série de detalhes técnicos e de influências. Mas podemos assegurar, com toda certeza, que será abaixo dos 120".

“Os fogos de artifício perturbam não somente animais domésticos, bebês, crianças pequenas e alguns idosos como também causam inúmeros desconfortos na vida selvagem, podendo até provocar a morte de muitas espécies”, destacou Luiz Ramos Filho (PMN), autor da proposta.

O projeto altera o artigo 33 da Lei Orgânica Municipal, que já proibia a fabricação e comercialização de fogos de artifício no município. Os coautores são os vereadores Luiz Ramos Filho (PMN), Alexandre Isquierdo (União), Marcelo Arar (PTB) e os ex-vereadores Prof. Célio Lupparelli e Prof. Adalmir.


Autismo

A psicóloga clínica e infantil Vanessa Oliveira declarou que os autistas, por terem uma hipersensibilidade, também sofrem com o barulho do estrondo. "Eles não conseguem escutar o som de maneira pausada, ritmada. Para eles é um estrondo, além do volume ser maior, é como se eles escutassem tudo de uma vez só. Geralmente isso deixa eles irritadiços, podendo ficar fora do eixo. O comportamento mais comum das crianças autistas nessa situação é ter crise de choro, gritos, podem tapar os ouvidos e até mesmo ficar balançando o corpo". 
Ela orienta os pais de crianças autistas a passar o revéillon, se possível, em casa e com a família, dentro de um lugar que, na hora da queima de fogos, a criança consiga ficar acolhida em um espaço. "É importante também ter alguém de confiança, que seja maior rede de apoio dela, por perto. Uma dica é usar abafadores. Existem uns tipos parecidos com fone de ouvido, que você coloca no ouvido e já diminui esse impacto sonoro. Outra coisa que é importante ressaltar é que algumas crianças, na hora do barulho dos fogos, podem ficar mais irritadiças e se machucarem. Elas podem se jogar no chão, bater a cabeça na parede, ou outra forma de mutilação. Por isso, é importante ter alguém por perto para contê-las e segurá-las para que não se machuquem".