Amanda, de 39 anos, teme ser desapropriada para a construção do túnelPedro Ivo/ Agência O Dia

Rio - O velho dilema entre progresso e sustentabilidade tem sido motivo de um grande conflito no bairro mais populoso do Brasil (328 mil habitantes, segundo o Censo de 2010). Com a licitação já realizada, a obra para a construção de um túnel que liga as estradas da Posse e da Caroba, duas das principais vias de Campo Grande, na Zona Oeste, é alvo de reclamações e protestos. Possíveis desapropriações e impactos ambientais estão entre as preocupações de dezenas de famílias que serão afetadas. Diante do impasse, moradores cobram por mudanças no projeto da prefeitura.
A motorista de aplicativo Amanda Pereira, de 39 anos, quase 30 deles morando no sub-bairro conhecido como Adriana é uma das dezenas de pessoas que teme perder a casa que lutou para construir aos poucos - ainda há partes em obra - ao lado da mãe, que trabalhava empregada doméstica. De acordo os membros do coletivo Nosso Bosque, que luta pela preservação da área de mata local, a residência onde Amanda vive com dois filhos, a mãe e o marido está marcada para ser demolida no projeto inicial para a construção de uma via de quatro faixas.
“Ver isso acontecendo é uma cena muito drástica para as nossas vidas. É um impacto em tudo. Psicológico, emocional... É uma vida aqui. Quando a minha mãe escolheu aqui para morar, foi um sonho. E o sonho da minha mãe não está sendo respeitado. Mãe solteira de cinco filhos e empregada doméstica”, lamentou a mulher.
A princípio, a intenção dos moradores é buscar explicações sobre a obra que está por vir. Na última quarta-feira, inclusive, alguns deles se reuniram com o prefeito Eduardo Paes o escutaram dizer que apenas cerca de três imóveis seriam desapropriados. A reportagem de O DIA tentou contato com a Prefeitura do Rio, mas não teve retorno. Amanda, no entanto, ainda cobra respostas para uma série de perguntas.
“Queremos entender o projeto e participar. Não estamos aqui contra o progresso. Não queremos impedir que Campo Grande cresça. Só queremos saber como vai funcionar, se é realmente necessário e se não há outras possibilidades. Se não houver, a gente vai conversar e tentar fazer com que os sonhos de outras pessoas também sejam respeitados. Isso aqui foi o que minha mãe fez”, diz a motorista.
A área mais afetada pela obra é o residencial Timbaúba. O túnel previsto no projeto tem uma das entradas justamente pelo meio do vilarejo, uma área de mata, e faz parte de um anel viário que ainda vai sair do papel.
A preservação da Floresta da Posse, que começou a ser reflorestada no início dos anos 2000, é uma das maiores preocupações do produtor audiovisual Thiago Neves, de 39 anos, que mora no sub-bairro Vitória, ao lado do condomínio, e lidera o coletivo Nosso Bosque. Em dezembro, ele chegou a organizar uma manifestação com cerca de 80 pessoas em frente ao West Shopping, um dos pontos mais movimentados de Campo Grande, para contestar a obra.
A floresta, que divide os bairros de Campo Grande, Santíssimo e Senador Vasconcelos, foi declarada como Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) em junho de 2022, ainda que grande parte esteja sendo reflorestada. Para Thiago, a construção de um túnel no local sem as devidas precauções pode representar um risco ao trabalho que tem sido feito há duas décadas pela própria prefeitura.
“O túnel corta uma unidade de conservação, criada por lei. São um decreto e uma lei que protegem a Floresta da Posse. Quando você olha um túnel pronto, ele parece não ter tanto impacto ambiental, mas a obra vai desmatar, pelas nossas expectativas, entre 2 e 3 hectares. A gente está falando de cerca de 2 a 3 mil árvores dessa área que foi reflorestada pela prefeitura”, explica o produtor audiovisual.
Nesse cenário, a solicitação atual de Thiago e dos demais moradores é de suspensão imediata da licitação para construção do túnel sob o Morro Luiz Bom, vencida pela OECI S.A., no valor de R$ 286.076.898,94. A decisão foi publicada no Diário Oficial do município e prevê também a implantação de um mergulhão viário entre a Estrada do Monteiro e a Avenida Cesário de Melo.
A falta de consulta prévia aos moradores e de estudos sobre impactos na região são alguns dos motivos que os fazem pedir que a obra não seja iniciada. A Secretaria Municipal de Infraestrutura, responsável pelo processo licitatório, também não respondeu à reportagem de O DIA.
“Nosso propósito agora é suspender a obra. E vamos conversar, emitir os estudos de impactos ambientais, o estudo de impacto na vizinhança, provar que essa é a melhor intervenção para o trânsito da região... Qualquer estudo de tráfego vai mostrar que não é, porque o custo-benefício de uma obra de R$ 286 milhões vai mostrar que a melhor intervenção não era uma obra, mas sim outras intervenções, como rotatórias”, ressalta Thiago.
“Qualquer estudo que venha depois da licitação é no mínimo parcial. Ao fazer o estudo de tráfego na obra já licitada, ninguém vai falar que o túnel não é a melhor opção. O próprio estudo de impacto ambiental não vai mostrar algo que inviabiliza a obra. Não faz sentido nenhum. Por isso, a gente quer a suspensão imediata da licitação e colocar os órgãos de controle para fiscalizar”, completa.
Thiago, além de ativista, é administrador do perfil do Nosso Bosque em redes sociais e tem atuado principalmente em prol dos moradores que podem ter suas casas demolidas em breve. Mas não apenas por eles, já que o projeto incomoda até mesmo aqueles que ainda terão residência no local e temem pela segurança e tranquilidade, já que a área repleta de mata do entorno deve se tornar uma via de alta velocidade.
“A gente fala também dos impactos na comunidade. Imagina você estar morando na sua casa, tranquilo, e de uma hora para outra a prefeitura decida fazer uma via de quatro faixas, numa área totalmente residencial. Daí, há impactos até naqueles que não serão desapropriados. Eles não terão indenização pelo impacto de uma via jogando fumaça na casa dela, do barulho, as mudanças na região”, conta o morador, que acompanha cada atualização sobre o início das obras em contatos com a prefeitura e no Diário Oficial do município.
“A prefeitura não conversou com ninguém antes da licitação. Não foi feita uma audiência pública. As pessoas só souberam da licitação quando foi publicada no Diário Oficial. É um processo que está atropelando todo um bom senso do diálogo com a comunidade, sem falar dos impactos ambientais”, diz Thiago.

Animais em risco
Outra preocupação de Thiago é com os animais que vivem na área de cerca de 170 hectares da floresta, onde estão reunidas até mesmo espécies ameaças de extinção. Com uma câmera noturna, ele registra imagens da movimentação na mata quando anoitece e já viu quase de tudo. Seu sonho agora é registrar uma onça parda, animal que foi avistado em 2021 em áreas próximas, como o Parque Estadual da Pedra Branca e o Parque Municipal do Mendanha. Em novembro de 2022, uma aparição foi registrada também na Ilha Grande, em Angra dos Reis.
 
Ao todo, o projeto contabiliza mais de 150 espécies de animais silvestres em meio à área de preservação reflorestada, a grande maioria de aves. Como não foi apresentado um estudo de impacto ambiental pela prefeitura, há o temor de que as obras espantem os bichos de seu habitat natural.
“A gente tem mais de 90 espécies de árvores registradas, algumas ameaçadas de extinção, como o Trinca-Ferro. A gente tem a possibilidade da existência de grandes felinos aqui, porque a gente está ao lado do Parque Estadual da Pedra Branca. O próprio estudo da prefeitura apontou isso quando a área foi transformada unidade de conservação”, reclama.