Grupo Damas Silenciadas foi criado em março de 2022, com o objetivo de ajudar e acolher mulheres vítimas de violência domésticaLaís de Moraes
Tudo começou quando ainda era pequena e morava na casa de sua mãe, na Zona Sul do Rio. A produtora cultural era abusada pelo padrasto dentro da própria casa, e presenciava brigas e agressões entre ele e sua mãe. "Isso tudo acabou influenciando a minha vida e o meu primeiro relacionamento, que foi com o meu ex-marido muito abusivo. Hoje eu consigo enxergar através do 'Damas Silenciadas' o quanto eu me calei, o quanto fui silenciada pelo medo e pela vergonha. Com a ajuda do grupo eu consegui desabafar e me curar. Hoje consigo exercer meu trabalho e estar à frente de um ambiente preponderantemente masculino, como as rodas de hip-hop".
De acordo com Camila, o seu casamento precoce, aos 18, foi para não ter que conviver com o ambiente de brigas e abusos dentro de casa. "Quando meu padrasto foi morar lá em casa, o inferno começou. Eu tinha uns 13 anos na época e sempre fui alta, com um corpo mais desenvolvido também. Não conseguia dormir direito de medo. Eu falava para a minha mãe, mas ela apaixonada não queria criar escândalo na família. Adivinha quem saiu de casa? Eu".
Na esperança de tentar uma vida nova, Camila caiu em uma realidade de dor e desespero. No período em que foi casada, trabalhava como telemarketing e passava o dia fora. Quando estava em casa com o seu companheiro, era agredida. "A cena dele falando que ia ficar tudo bem e a minha boca sangrando era uma forma de conforto para mim. Eu mentia para o meu chefe, que me perguntava o motivo dos machucados, e falava que era o ônibus freando. Até eu acreditava no que dizia para me consolar".
Por diversas vezes ela denunciou as agressões, sem resultado. "Na época, as mulheres não tinham tanta voz como hoje. Eu carrego as marcas dessas agressões e só de lembrar me vem lágrimas. Foi quando conheci uma pessoa, que me ensinou que aquilo não era normal, que tive força para sair desse relacionamento dependente.Depois eu ainda tive uma sequência de relações agressivas porque era o que eu tinha de exemplo".
Hoje, Camila tem um relacionamento saudável e, com a ajuda de grupos como o "Damas Silenciadas", ela conseguiu superar seus traumas, aos poucos, e se dar uma nova chance. "Criei muito trauma na minha cabeça. Meu namorado é muito legal, companheiro, entende meus medos. A gente conversa sobre tudo. Minha vida não foi fácil, mas graças a ajuda de outras mulheres a gente consegue dar a volta por cima. Se eu não tivesse dado um fim no meu antigo relacionamento, a gente ia se matar".
História do grupo
O grupo "Damas Silenciadas" nasceu em março de 2022, após uma amiga das fundadoras do grupo, que era rapper, ter sido assassinada pelo marido, com 60% do corpo queimado. Segundo Mônica Xavier, 41, coordenadora de ações do coletivo, desde a pandemia o índice de violência doméstica e feminicídio cresceram muito, principalmente nas periferias e comunidades do Rio.
"Muitas mulheres não sabem a quem recorrer em uma situação dessa e ficam sem orientação, sem saber o que fazer e sem forças para sair do relacionamento. Esse grupo tem o objetivo de pensar em ações que minimizem tanta violência. A gente se deparou com muitos casos de abusos, fomos ouvindo muitos relatos e avançando para ajudar", disse.
Segundo a coordenadora, ações como cursos de línguas, aulas, palestras e roda de conversa são feitas para ajudar essas mulheres a empreenderem e não dependerem financeiramente de ninguém. "Os principais perfis que nos procuram são: negras, de periferia e empreendedoras. A grande maioria sofreu violência, inúmeros abusos, incluindo agressões físicas e psicológicas e encontraram no empreendedorismo uma motivação para romper o ciclo da violência. Nós entendemos que se a mulher não tiver amparo para se desenvolver economicamente, ela fica ainda mais vulnerável", ressaltou Mônica.
A fundadora Edimara Celi, 43, explicou que durante a pandemia, fazia alguns projetos sociais e estava sentindo que muitas mulheres precisavam desabafar. "Elas começaram a abrir o coração para a gente, contando a rotina e relatando violência dentro de casa, relacionamento tóxico, entre outros. Hoje somos uma grande rede de acolhimento, mas não permanecendo apenas nesse lugar de cuidar da dor, mas de mudar a realidade dessas mulheres".
Ela também declarou que o projeto tem apoio da Secretaria Municipal da Mulher e ressaltou que o principal objetivo é o acolhimento. "Queremos falar cada vez mais sobre transformação para essas mulheres que vêm nos procurar tão debilitadas. A gente vê potência nelas e buscamos cada vez mais parcerias para ajudá-las em sua independência. Sabemos que dentro das favelas é muito mais difícil conseguir denunciar o seu agressor, então a partir disso somos uma rede de proteção", destacou Edimara.
De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), o número de ligações do Disque Denúncia sobre violência doméstica apresentou um aumento significativo em abril de 2020, que foi um dos períodos de maior isolamento social, se mantendo em alta nos três meses posteriores. Já o número de ligações do 190 se manteve estável mesmo no momento de quarentena mais rígida, evidenciando que este seria um possível canal pelo qual as mulheres estariam conseguindo realizar as suas denúncias.
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