Adel Bakkour veio para o Brasil para fugir da guerra da Síria Pedro Ivo / Agência O DIA
"Eu não tinha acesso a medicamentos mesmo trabalhando na área de saúde lá. A gente não tinha possibilidade de nada. Não tínhamos passaporte nem documentação para sair da Venezuela. Foi necessária a ajuda de conhecidos que moravam fora do país para ajudar no trâmite dos documentos e, por fim, conseguir o nosso passaporte, que custava 200 dólares (mais de R$ 1 mil, na atual cotação) à época", disse.
Deyanira atravessou a fronteira e chegou em solo brasileiro através do estado de Boa Vista, em setembro de 2019. De lá, conseguiu pegar um avião e aterrissar no Rio. Segundo ela, todo o processo de mudança foi traumático. "Quando chegamos aqui não tínhamos ninguém, não falavam a nossa língua, foi muito estranho. Meu irmão teve sorte e conseguiu uma bolsa de doutorado na faculdade, ele é historiador, e com isso conseguimos ajudar a nossa família e alugamos um espaço, um quarto para quatro pessoas".
Aqui, a enfermeira entrou na fila para o transplante e conseguiu um doador. "Eu esperei sete anos por esse momento e consegui. Eu cheguei em julho, entrei na fila em outubro e em dezembro eu já estava transplantada. O Brasil devolveu para a gente a vida, a oportunidade de estudo e de crescimento. Desde que cheguei, trabalho como babá e estou tentando aprender mais da língua portuguesa também. Não há outra palavra para descrever tudo além de gratidão".
Em 2012, no início da guerra da Síria, Adel Bakkour, 29, viu-se obrigado a deixar o país por medo do que estava por vir e não querer fazer parte das forças armadas. Ele saiu de Aleppo aos 19 e, desde então, mora no Rio. "Eu estava em uma idade que tinha que servir o exército, mas eu não queria naquele contexto. A minha saída até foi fácil na época, porque o conflito estava no início ainda, então a fronteira da Turquia ainda estava aberta e eu consegui atravessá-la".
Por terem tido contato com brasileiros, eles escolheram o país para recomeçar. "A gente chegou aqui em saber de nada. Tivemos ajuda de um professor da faculdade de letras, que me indicou uma vaga de trabalho em um restaurante árabe em Copacabana e fiquei por lá pelo menos um ano. No meio tempo, eu estudava português para tentar me virar", disse.
O objetivo de Adel, ao chegar no Brasil, era continuar os estudos. Ele estudava química na Síria, então tentou o mesmo curso no Rio. Conseguiu uma vaga especial na UFRJ e ficou na instituição por três anos. Depois, resolveu trocar e fazer relações internacionais. "Eu também sempre trabalhei como professor de árabe aqui. Não me arrependo de ter vindo, um dos motivos para ter deixado a Síria foi o medo da guerra, não queria pegar em arma, nem morrer e nem matar ninguém. Jamais faria isso".
O angolano Mbalo Cesar, 30, chegou no país quando tinha um ano de idade. Atravessou períodos difíceis e disse que seu pai, mesmo com formação superior em administração, não conseguia emprego por causa do preconceito racial e pelo sotaque. "Foram muitas dificuldades, principalmente para trabalhar. Meu pai conseguiu uma vaga para ser assistente de pedreiro e minha mãe em uma padaria. Fui crescendo e lidando com o preconceito por causa da cor da minha pele e meu país de origem. Muitos falavam que a Angola é um país de gente pobre e que morre de fome. Muitas situações constrangedoras, mas estamos aqui".
Assim como Adel Bakkour e Deyanira, Mbalo também trabalhará no novo Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI) e usará o seu exemplo para orientar e acolher quem precisa.
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