Devotos participam de procissão em homenagem a Zé Pelintra na Lapa, no Centro do Rio, neste sábado (21)Érica Martin/ Agência O Dia

Rio - Devotos a Zé Pelintra realizaram uma procissão em homenagem a Seu Zé da Lapa até a praça da Cinelândia, no Centro do Rio, na manhã deste sábado (21). Vestidos de vermelho, branco e chapéus panamá, os religiosos caminharam junto a líderes como o Babalaô Ivanir dos Santos, a Velha Guarda da Estácio de Sá, o Grupo de Maracatu Baque de Mulher e o Grupo de Teatro "Tá na Rua". A marcha abriu o último dia da Semana Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, que iniciou na segunda-feira (16).
Diego Gomes, de 32 anos, Presidente Santuário Zé Pelintra, acredita que cerca de 500 pessoas estiveram na procissão, que teve início às 11h, na Lapa. "Nós tivemos um grande público e uma maior aceitação. Essa caminhada acontece em função da luta contra a intolerância religiosa. Acreditamos que todos têm direito de professar a sua fé, celebrar culturas e ter liberdade de expressão. Hoje caminhamos de mãos dados para dar abertura de caminhos". 
O evento, organizado pelo Santuário do Zé Pelintra com apoio da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), foi o pontapé inicial para um sábado que será repleto de atividades com a presença de outras religiões. A segunda edição da marcha acontece no último dia da Semana Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. 
"Nós transformamos esse dia em celebração da diversidade, respeito e democracia. Terminaremos este sábado com um show inter-religioso, com a presença do pastor Kléber Lucas e o padre Omar. Celebrar a diversidade e a democracia é fundamental para o nosso país", diz o babalaô Ivanir dos Santos após a procissão.
O presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge, também comentou sobre a importância dessa união. "É contribuir para um Brasil com ideias, do ponto de vista da liberdade religiosa. Colocar amor no lugar do ótimo, da intolerância", disse. 
Atividades neste sábado (21)
Durante toda a tarde, diversas atividades envolvendo representantes de religiões estarão levando informações ao público na Praça da Cinelândia. Ao fim do, haverá um show com participações do Padre Omar, pastor Kleber Lucas, Awurê, professores da Universidade de Princeton (EUA), Doutores, Desembargadores, Autoridades Públicas e diversos outros segmentos religiosos.
Semana Nacional de Combate à Intolerância Religiosa
O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é lembrado neste sábado (21). A data foi criada em 2007 e faz alusão ao dia da morte, em 2000, da ialorixá baiana Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, que teve a casa e o terreiro de candomblé invadidos e depredados por praticantes de outra religião.

De acordo com o coordenador de Diversidade Religiosa do município, Márcio de Jagun, a Semana é um marco simbólico da diversidade, porque fortalece a liberdade e o respeito. No Brasil, a liberdade religiosa é garantida pela Constituição e em diversos tratados internacionais dos quais o país é signatário.

Apesar de ser lei, a liberdade de culto ainda é desrespeitada. De janeiro a julho do ano passado, o País teve 545 denúncias de intolerância religiosa, segundo dados do Disque 100. No estado do Rio, dados do Instituto de Segurança Pública apontam que em 2021 houve aumento nos registros de crimes relacionados ao preconceito religioso: foram registrados 33 casos de ultraje a cultos religiosos, contra 23 em 2020.
Relatório sobre casos de intolerância religiosa no Brasil
Segundo os dados apresentados no Relatório sobre os casos de Intolerância Religiosa no Brasil, publicado em 2017 pelo CEAP em parceria com o Laboratório de História das Experiências Religiosa da UFRJ (LHER/UFRJ) e com a editora Klíne, dos 1014 casos de intolerância religiosas registradas entre abril de 2012 a agosto de 2015, pelo Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos (CEPLIR), 71% dos casos são contra adeptos das religiões afro-brasileiras; 8% dos casos são contra evangélicos, 4% dos são casos católicos, 4% dos são casos judeus. Ainda segundo a CEPLIR, de setembro a dezembro de 2015: 32% dos casos são contra muçulmanos, 6% dos casos são contra indígenas, 3% dos casos são contra kardecistas.
Para Ivanir dos Santos, o relatório servirá como uma contundente base de combate à intolerância religiosa - "Com um caráter também internacional, pois apresenta análises sobre os casos de intolerância religiosa na América Latina e no Caribe. Não só evidencia as violações dos direitos humanos como também aponta para possíveis saídas que possam construir e solidificar bases para a promoção de ações mais efetivas em prol da liberdade religiosa".
De acordo com Marlova Noleto, Diretora e Representante da UNESCO no Brasil, "o relatório nos mostra que a intolerância religiosa, uma clara violação aos direitos humanos, segue tendo em seu cerne o racismo e todas as formas de preconceito. É essencial combater a intolerância e todas as agressões aos direitos humanos. Também é importante realizarmos uma ampla reflexão nacional para sabermos respeitar e valorizar a rica diversidade de culturas, bem como os direitos humanos e as liberdades fundamentais, para que possamos transformar, com urgência, este cenário de intolerância e violações sistemáticas".
É importante salientar que no ano de 2017, Ivanir dos Santos publicou o I Relatório sobre Intolerância Religiosa no Brasil e chamou a atenção para a falta de políticas públicas e ações contundentes que possam investigar os casos de intolerância religiosa no Brasil. Na época, os dados apresentados já apontavam que mais de 50% dos casos de intolerância religiosa no Brasil são contra os adeptos das religiões de matrizes africanas. Decorridos quase 5 anos após a publicação, Ivanir dos Santos, que também é interlocutor da CCIR, chama a nossa atenção, mais uma vez, ao evidenciar através dos dados quantitativos que nada mudou em relação às investigações dos casos de intolerância religiosa e que os números dos casos cresceram de forma significativa.
Para além de evidenciar o crescimento dos casos de violência, o II Relatório sobre Intolerância Religiosa no Brasil também apresenta um mapeamento sobre os casos, fazendo uma conexão entre a raça (etnia), a faixa etária das vítimas e o sexo indicado, renda familiar e a escolaridade. Os Profs Ivanir dos Santos, Bruno Bonsanto Dias e Luan Costa apontam que os dados analisados são extremamente expressivos para que o Estado brasileiro possa colocar em prática o Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Plano esse que já foi apresentado pela CCIR, para o poder executivo brasileiro, mas que até o presente momento não foi aprovado.
"É um documento importante para se ter uma visão ampla de como vem ocorrendo os atos de intolerância no Brasil. Para construção do relatório buscamos levantar fontes de dados tanto quantitativos como qualitativos. E, pelos dados levantados, podemos apontar que ocorreu um aumento nos números de casos nos últimos anos como: depredação de patrimônio, agressão física, perseguição política. Os dados apontam que o grupo religioso mais perseguido são as religiões de matriz africana, mas há indicativos de intolerância contra outros grupos. É importante ressaltar que as fontes de dados ainda são escassas. Chamamos atenção para a necessidade de uma metodologia de pesquisa mais ampliada que envolva setores da sociedade civil organizada, poder público e universidades para construção de uma base de dados confiável que possa servir de fonte de informação para políticas e ações efetivas no combate à intolerância". Declara Luan Costa
"A intolerância religiosa é um tema que ainda carece de maior aprofundamento acadêmico e de mais visibilidade perante a opinião pública. A construção do relatório vai de encontro a esta lacuna, demonstrando a importância das pesquisas acadêmicas para a construção de base de dados e de estatísticas públicas que permitam realizar uma leitura crítica sobre a intolerância religiosa no Brasil. Nesse sentido, a publicação do relatório pode abrir caminhos para elaboração de políticas públicas que contribuam para o enfrentamento dessa questão, tão fundamental para o amadurecimento da democracia brasileira", defende Bruno Bonsanto Dias.
Para a Profa. e Dra. Mariana Gino (Secrétaire Générale du Centre International Joseph Ki-Zerbo pour l'Afrique et sa Diaspora/N'an laara an saara (CIJKAD-NLAS) - "O Relatório é fruto das ações e pesquisas que o CEAP vem desenvolvendo ao longo de décadas e, chega em um momento extremamente importante para recomposição da democracia brasileira", pontua a acadêmica.
O II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, foi lançado na quinta-feira (19), durante a Semana Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, no CCJF.