Sepultamento de Thalita no cemitério de Irajá, Zona Norte, na tarde desta terça-feira (24)Érica Martin / Agência O Dia

Rio – “Você não vê BRT porta fechada. Eles já estão vindo de portas abertas”, criticou Juarez Câmara, de 36 anos, durante o sepultamento, nesta terça-feira (24), no Cemitério de Irajá, na Zona Norte, de Thalita Coutinho, de 22 anos, que morreu ao tentar embarcar no BRT na Estação da Taquara, que seguia no sentido Barra da Tijuca, na Zona Oeste, no domingo (22). O tio da jovem afirma que a porta aberta foi a principal causa do acidente e chamou de “covarde” a tentativa de jogar a culpa em Thalita. 

“No nosso entendimento, a postura de tentar embutir na Thalita a culpa pelo acidente é uma atitude covarde. Quando nós temos um serviço, toda a parte de segurança desse serviço está inclusa ali. De maneira nenhuma, uma pessoa vai tentar em um veículo em movimento com as portas estando fechadas. É o sinal visual para a pessoa de saber que o ônibus vai partir naquele momento. A gente entende que a porta aberta propiciou esse acidente. A gente entende que qualquer veículo, para estar em movimento, tem que estar com as portas fechadas”, argumentou Juarez.

O profissional de logística informou que mora em Jacarepaguá, na Zona Oeste, e vê articulados do BRT cotidianamente. Por isso, afirmou que nunca viu um BRT com as portas fechadas, que, ao contrário, os articulados já chegam aos terminais com as portas abertas. Juarez disse ainda que quem fez o primeiro contato com a família foi uma mulher. Afirmou também que não há informação se o ônibus prestou ou não o socorro à vítima. Por outro lado, nenhum órgão ligado ao BRT teria feito contato com os familiares.

“Só temos imagens que estão sendo divulgadas pela internet. Não vimos o que aconteceu. Vimos um ônibus parado e alguém tentando gravar a Thalita caída. Até agora não tivemos contato, nem no dia do acidente, nem posterior, com alguém que tenha relação com o BRT. Ninguém nos procurou. A informação que temos é através da nota oficial da Mobi-Rio. Não procuraram saber. Não recebemos nenhum contato, os pais não receberam nenhum contato. Nem a prefeitura, nem a Mobi-Rio, nem nada que tenha a ver com o BRT entrou em contato com a família”, explicou.

O pai de Thalita, Edcleiton Oliveira Coutinho, de 45 anos, também questiona o motivo da porta do BRT estar aberta e defende que, se não estivesse, a jovem não teria tentado entrar. Por ser eletricista de automóveis e, inclusive, já ter trabalhado com BRT antes da concessionária Mobi-Rio, Edcleiton não entende o motivo para as portas não estarem fechadas.

“Como sou profissional da área, qualquer veículo urbano precisa de segurança, que é o sistema de porta. Enquanto o veículo estiver com a porta aberta, ele não se movimenta. Ele perde a aceleração e o carro não anda, só anda com a porta fechada. Todo veículo precisa ter, é um sistema de segurança para o cliente, para o passageiro”, explicou.

Edcleiton disse que a informação que chegou à família é de que a jovem teria tentado embarcar quando o articulado estava começando a entrar em movimento. O pai, porém afirma que não pode concluir que essa é a versão oficial dos fatos, que só poderá ser obtida através das câmeras de segurança.

“Minha filha estava indo trabalhar, já saiu de casa correndo. Tanto que a bisavó a viu andando rápido e acenou pra ela, deu tchau. Minha filha nunca gostou de se atrasar. Se, por acaso, ela tentou embarcar no BRT saindo tentando se movimentar, ele estava com a porta aberta. Mas por que ele estava com a porta aberta? Ela ter embarcado em um ônibus, com ele em movimento ou não, não isenta a irresponsabilidade dela, até porque jovens não tem muito senso de segurança. Mesmo ela tentando, se aconteceu – eu não tenho certeza –, a responsabilidade é do próprio sistema. Se a porta estivesse fechada, minha filha não teria tentado entrar. Ela ainda estaria aqui comigo”, lamentou.

A família não é a única a fazer denúncias sobre o estado do BRT. Fábio Eduardo Gomes de Souza, de 41 anos, é ajudante de açougueiro e trabalhava junto com Thalita em uma rede de supermercados, na Barra da Tijuca. Fábio também defende que não vê BRTs com as portas fechadas. Ele explicou que o BRT estava parado e que teria arrancado com a porta ainda aberta, enquanto Thalita tentava entrar. O colega da vítima afirmou que a estação não estava lotada no momento do acidente e que o motorista prestou socorro à Thalita.

“O ônibus estava parado. Quando ela pensou que estava dando pra entrar, o ônibus arrancou, que foi a hora que ela desequilibrou. A porta só vive aberta, nenhum BRT fecha. E não tinha nenhum empurra-empurra, nada disso. Estava vazio. O motorista parou alguns metros depois. Um passageiro falou com ele, então ele parou e voltou, para ver o que tinha acontecido com ela”, relatou.

O adeus à jovem

Edcleiton descreveu Thalita como uma filha maravilhosa, uma menina alegre, extrovertida e muito, muito trabalhadora. A paixão pela música, o pai conta, foi ensinado por ele mesmo, através do violão, e evoluiu para outros instrumentos. 

“A Thalita era uma menina maravilhosa, alegre, tinha muita facilidade de envolver as pessoas para amizade. Era muito amiga. Amava servir às pessoas, era musicista. Eu ensinei ela a tocar violão e ela deslanchou na arte. Aprendeu a tocar ukulele, a tocar teclado. Começou a fazer as músicas dela. Estava até fazendo trabalho de música. Uma pessoa maravilhosa, trabalhadora trabalhava muito para conquistar as coisas dela. Minha filha era maravilhosa”, descreveu com carinho e saudade.
Juarez é tio de consideração de Thalita e explicou que se tornou amigo próximo da família da menina por frequentarem a mesma igreja evangélica. Ele afirmou que acompanhou a jovem crescer e elogiou o seu talento na música.

“Vi Thalita nascer. Ela cresceu na igreja e, como a maioria, tinha a parte voltada para a música. Ela tocava violão, ukulelê. Ela tinha uma voz linda. Uma voz que minha esposa sempre pedia para cantar. Era uma artista: fazia músicas, cantava, gravava e escrevia bem. Ela era muito amorosa com meus filhos, muito carinhosa, sempre foi muito alegre, com um sorriso muito aberto. Estava vivendo uma parte de juventude, aquela parte de conhecer a vida, mas sempre mantendo a doçura, a pureza. A saudade que ela vai deixar para a família é essa”, lembrou com carinho.

Além do tio, outros familiares e amigos estiveram presentes no sepultamento da jovem. O irmão de Thalita, Eric, de 14 anos, falou da dificuldade em acreditar na partida precoce da irmã mais velha. Afinal, nem mesmo a diferença de oito anos era capaz de mantê-los separados, definindo a jovem aos olhos do caçula como “uma mãe”.

“Parece mentira. Ela era próxima como uma mãe. Sempre que a gente podia, saíamos juntos. Andávamos de skate por aí, saímos para nos divertir no parque de diversões, na praia”, descreveu o estudante. Colegas de trabalho também foram se despedir, e, segundo Juarez, choraram muito e lamentaram a situação.

Investigações sobre o caso

A 32ª DP (Taquara) informou que as investigações estão em andamento e que diligências estão sendo realizadas para apurar as circunstâncias da morte e esclarecer o caso. De acordo com a Mobi-Rio, a Civil já solicitou as imagens de câmeras de segurança à empresa. O material já foi entregue. Aos familiares, a polícia informou, no início da noite de domingo (22), que aguarda o ingresso de Thalita de forma legal na estação, o testemunho do motorista e as possíveis testemunhas.

Sobre as alegações dos familiares de Thalita, a Mobi-Rio respondeu, na segunda-feira (23), que “conforme os registros das câmeras da estação, a passageira infelizmente tentou embarcar correndo em um articulado quando o veículo já estava em movimento saindo da estação e acabou caindo na calha.”
* reportagem da estagiária Beatriz Coutinho sob supervisão de Thiago Antunes