Estudantes de coletivos revolucionários com a Bandeira de Gadsden, símbolo do movimento liberal e confundida com emblemas fascistasReprodução
Segundo relatos, a confusão se iniciou após integrantes de movimentos estudantis revolucionários de esquerda terem confundido a bandeira, conhecida como Gadsden Flag, que foi hasteada pelos rapazes, membros da União Juventude e Liberdade (UJL), com um símbolo fascista da extrema direita.
A flâmula representa o movimento liberal e está associada à revolução de independência americana, sendo considerada a primeira bandeira dos Estados Unidos. Porém, nos últimos anos, grupos extremistas de direita têm exposto a bandeira em manifestações no país norte-americano, o que teria causado o engano.
De acordo com Pavanato, após um bate-boca com outros participantes do evento, ele e o colega decidiram retirar a bandeira para evitar que a tensão aumentasse. Nesse momento, a UJL preferiu deixar o local temendo pela segurança dos integrantes da instituição.
"Nós estávamos no setor de cima da Bienal, entoando nossos cantos e gritos, tudo normal até aí. Só que, uma galera começou a implicar com a nossa bandeira, mandando a gente tirar. Mesmo sem nada de errado, tiramos, para evitar conflitos, mas aí eu fiquei segurando a bandeira normalmente, com ela na mão, semidobrada. Conversamos entre nós e decidimos sair para evitar problemas com o pessoal, que já parecia estar nos observando mais", relatou.
Gabriel e o amigo teriam ficado para trás durante a saída do grupo e, quando estavam distraídos, caminhando para a entrada do prédio onde o encontro acontecia, foram atacados por dois homens.
"Na saída da parte de cima, eu estava com a bandeira nas costas, passando pelo pescoço. Eu e um amigo, éramos os retardatários do grupo na hora. De repente, senti uma mão puxando a bandeira. Pensei que poderia ser algum amigo do grupo que ficou para trás pedindo a bandeira, então, eu segurei e virei para trás para ver se dava a bandeira, caso fosse alguém conhecido, e vi dois estudantes, um puxando-a e, logo em seguida, o segundo vindo com a sola do pé, mirando minha virilha, mas errou e acertou na parte interna da minha coxa direita", continuou.
Ele contou que foi derrubado e agredido ao tentar impedir, sem sucesso, que os agressores retirassem a bandeira das mãos dele e, devido a hostilidade, ficou com machucados pelo corpo.
"Eu caí segurando a bandeira com força, mas aí o homem que me chutou, ajudou o outro, e também começou a puxar a bandeira de mim. Nesse puxão, machuquei a mão. Tive várias queimaduras pela mão. O meu colega tentou puxar a bandeira de volta e tomou um soco do agressor que me chutou na coxa. A direção do evento nos separou e eu fiquei com o pescoço, mão e perna ferrados", finalizou.
Natural de São José dos Campos, Gabriel é estudante do último período do curso de administração e, devido ao ataque, está bastante abalado.
“Eu me sinto quebrado, porque é extremamente tenso você estar em um local que deveria ser democrático, e não poder se expressar por meio de uma bandeira que defende a liberdade há muito tempo. Fui roubado e agredido por ter um posicionamento divergente daquele grupo, isso é inaceitável. Estou tentando assimilar ainda", desabafou.
Ainda segundo Pavanato, mesmo tendo conhecimento da situação, a UNE não prestou nenhum auxílio aos estudantes após as agressões. Ele então procurou a polícia para registrar a ocorrência e passou por exames de corpo de delito.
"Me sinto totalmente descrente da UNE como um todo. Uma organização que deveria estar defendendo a democracia, defendendo que outros pensamentos estejam juntos, em um mesmo local, sem conflito físico, não fazer nada é inaceitável”, comentou.
Procurada, a instituição ainda não se manifestou sobre o caso. O evento da Bienal começou na última quinta-feira (2) e se encerra no próximo domingo (5).
Através de nota, a UJL se posicionou sobre o ocorrido, afirmando não ser um grupo violento e que não se calará diante das ameaças.
"Estes rapazes roubaram uma bandeira de Gadsden das costas de um membro da UJL agora na Bienal da UNE! Pelas costas, na covardia, como é prática comum dos comunistas. Não esperem que a UJL "revide" as agressões, estamos aqui para debater e defender o que é certo. Outra bandeira já está chegando, não vamos nos calar. A liberdade é questão de tempo. Vão ter que nos engolir!", publicou o movimento.
A Polícia Civil informou que o caso foi registrado na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) e será encaminhado à 5ª DP (Mem de Sá), que prosseguirá com as investigações. Ainda segundo a corporação, "diligências estão em andamento para esclarecer os fatos".
Especialista explica a Gadsden Flag
O cientista político, doutor em filosofia pela Universidade de Erfurt, Magno Karl, explicou a simbologia por trás da bandeira de Gadsden desde a criação da flâmula e comentou o significado das características presentes nela.
"Você caracterizar os seus adversários com adjetivos ruins, não é uma tática rara, é normal que adversários tentem colar rótulos em seus oponentes, que não sejam exatamente benéficos a eles. A Gadsden Flag é um símbolo de quase 250 anos, que começou a ser usada no final do século XVIII, na época da revolução americana e o que ela representa, não só a cobra e a frase 'Don't Tread On Me', que pode ser traduzida livremente como 'não pise em mim' ou 'não passe por cima de mim', é uma bandeira de representação da autonomia individual, da oposição a coerção"
Segundo Karl, dentro do universo político, quaisquer bandeiras e símbolos podem ser utilizados por diversos movimentos distintos e, mesmo assim, não perdem sua representatividade e seu significado original.
"Na política, nenhum símbolo é usado exclusivamente por um único grupo, nenhum símbolo está protegido da apropriação por outros grupos, recentemente nós tivemos aqui no país, os bolsonaristas se apropriando da nossa bandeira. Tivemos pessoas que invadiram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, vestidos de bandeira do Brasil e camisas da seleção brasileira e, não necessariamente, a bandeira do Brasil deixou de ser usada como símbolo do Estado brasileiro.
Para o especialista no assunto, ainda que alguns grupos se apropriem de símbolos, eles não devem ser compreendidos pelos ideais desses coletivos, mas sim, pelo que representam como um todo.
"Nada impede que, por exemplo, um grupo extremista cristão se aproprie do crucifixo para simbolizar suas causas e aí, as causas desse grupo podem ser quaisquer que eles desejam. O que não quer dizer que o crucifixo será a causa dos fundamentalistas cristãos ao invés da simbologia original, de Jesus Cristo. A gente não pode entender um símbolo pelo que os seus detratores gostariam que representassem, nem pelo que um grupo posteriormente tentou ressignificar", finalizou.
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