Encenação da Paixão de Cristo no Cristo RedentorCleber Mendes/ Agência O Dia
"Quando ele ainda estava na minha barriga eu sentia que faria coisas grandes na vida. Ele dizia que iria morar no Cristo e o chamavam de louco. Mas a palavra tem poder, quando dita com fé e determinação. Hoje aqui está ele", diz Margarita Zulma Cardozo, de 68 anos, que veio de sua cidade natal em uma viagem de três dias, de ônibus, para ver o filho em cena.
A Paixão de Cristo vai ser encenada todas as sextas-feiras no Cristo Redentor até dia 7 de abril, após a missa das 15h. Quando está no papel de Jesus, Pablo sente que passa a mensagem que todo ser humano, inclusive ele, carrega a própria cruz.
"Todos somos imperfeitos. Senão não seríamos humanos. Temos falhas e precisamos nos redimir", diz Pablo: "A encenação aqui ainda serve para mostrar às pessoas que este é um lugar de devoção, de adoração, não apenas um ponto turístico".
Pablo mora no Santuário do Cristo Redentor há dois anos. Zela pelo espaço e atua em diversas funções, como manutenção da iluminação do monumento e da capela, das engrenagens das escadas rolantes e do sistema de para-raios. Enquanto circula entre os visitantes, orienta a não sentarem nas muretas, presta informações históricas sobre o espaço ou qualquer tipo de ajuda, como descer as escadas com um carrinho de bebê.
A relação com a fé começou na cidade natal, no tempo em que viveu em um orfanato ligado à igreja católica. Nessa época, participou de acampamentos organizados pelo padre Jorge Bergoglio, hoje Papa Francisco, e o assessorou como coroinha em celebrações na Paróquia Santo Inácio de Loyola, na província de Missiones. Pablo chegou ao orfanato após ter sido separado da mãe por agentes da repressão na ditadura militar argentina (1966-1973). Ao reencontrá-la, passou a vender balas e flores nas ruas com ela.
"Sempre fomos muito pobres. Às vezes, eu me perdia dela e voltava para casa sozinho, à noite. Eu tinha medo do escuro e caminhava orando", lembra Pablo.
No bairro de San Telmo, onde morava com a mãe, andava com um terço e uma bíblia debaixo de braço, e reunia os jovens para brincar de ser padre. Nessa época, Pablo conta que conviveu nas ruas com pessoas que poderiam tê-lo levado para um caminho errado:
"Fui ensinado a conseguir dinheiro fácil. Mas, logo cedo, entendi que este não era o caminho. Todos os meus amigos dessa época morreram. Eu decidi seguir firme na fé. Um homem sem fé, pode se perder facilmente".
Vinda ao Rio para conhecer a filha
Pablo chegou ao Rio em 2005 para conhecer a filha Guadalupe, fruto de um relacionamento com uma artesã na Argentina. Como faz em todo país que chega, procurou as igrejas, onde encontrou trabalho como restaurador, ofício que aprendeu em 2000 em uma escola de Buenos Aires. Atuou na restauração de locais como a Igreja Nossa Senhora do Carmo e o Convento de Santa Teresa. E conheceu Padre Omar, reitor do Santuário Cristo Redentor.
"Durante a pandemia as coisas ficaram muito difíceis para mim. Conversei com Padre Omar, que permitiu que eu viesse para cá e trabalhasse aqui no Cristo como zelador".
No Rio, Pablo morou na Praça Seca e nas comunidades da Mangueira e da Rocinha, onde desenvolveu trabalhos sociais. No Parque da Cidade, mantém um ateliê onde ensina a jovens o ofício de restauro e de pintura. Pablo também atua como palhaço:
"Quando me apresento para as crianças, passo a ideia de respeito ao meio ambiente e à família. E é também um forma de resgatar parte da minha infância que ficou perdida".
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