Quando chegou a minha vez, olhei fixamente para o alto e aguardei alguns instantes para que a mágica se repetisse: a flor descia com as pétalas fechadas até desabrochar mais perto de mimArte: Paulo Márcio

Flores de seda branca caíam da rotunda do CCBB-RJ, capturando a atenção de quem passava pelo prédio histórico do Centro do Rio na tarde de sábado retrasado. Elas formam a obra 'Shylight', simbolizando o cartão de boas-vindas da exposição 'Studio Drift — Vida em Coisas'. A escultura desabrocha e volta ao seu estado original. A inspiração vem de espécies de flores que se fecham à noite para se defender e preservar seus recursos. Logo reparei que uma delas descia mais pertinho dos visitantes e esperei duas meninas saírem dali para eu que pudesse observar por aquele ângulo também. Quando chegou a minha vez, olhei fixamente para o alto e aguardei alguns instantes para que a mágica se repetisse: a flor descia com as pétalas fechadas até desabrochar mais perto de mim.
Fiz alguns cliques e, ao sair dali em direção ao elevador, meu namorado me contou que uma menininha, que aparentava ter uns três anos, estava ao meu lado. Assim como eu, ela também fitava o alto, esperando que o encanto se repetisse. "Foi interessante a cena de vocês duas olhando para cima", ele me disse.
Não tenho registro fotográfico dessa imagem, mas a transportei para o meu mundo de imaginação e fantasia. Não sei como era a menina. Mas ouvi o relato e desenhei a cena nos meus pensamentos. Deduzi que a altura nos diferenciava, mas que tínhamos em comum a alma infantil. Éramos duas crianças, uma grande e outra pequena, embasbacadas com as flores que caíam do céu.
Segui na exposição dessa mesma forma: quem me via por fora me achava adulta. Mas eu levava a minha criança interior. Foi assim enquanto tentava entender a obra composta por circuitos elétricos de bronze conectados a dentes-de-leão emissores de luz. Sementes da planta são coladas individualmente às luzes de LED para recriar uma "versão elétrica da flor que pode ser iluminada". Já em casa, fui pesquisar mais sobre o assunto e achei vários textos que diziam: 'Quem nunca soprou uma flor dente-de-leão na infância?" Logo respondi para a tela do celular: Eu nunca fiz isso! Mas a gente não é todo mundo mesmo, já diziam as nossas mães.
Pode ser que um dia, já crescida por fora, eu venha a soprar tal flor. Talvez eu feche os olhos e tenha um novo reencontro com a minha infância. Aliás, é bem provável que isso ocorra. Aconteceu outro dia em casa, à noite, quando achei uma foto da minha época do colégio. Estava uniformizada, no quintal de casa. Tinha o mesmo cabelo repartido de lado, igualzinho ao de hoje. E os meus olhos quase se fechavam na hora do clique, exatamente como ainda faço agora. Na cama, com a foto de papel em mãos, constatei que aquela criança ainda vive em mim. E deixei as lágrimas rolarem. Não é à toa que eu e a menininha temos algo em comum.