Professor Marco Lucchesi é o novo presidente da Biblioteca NacionalDivulgação

Rio - Foi em meio a um ano sabático que o novo presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, professor de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), recebeu o convite para gerir a instituição. Lucchesi estava na região da Toscana, na Itália, com a família, quando o telefone tocou em dezembro de 2022 e o fez arrumar as malas rapidamente de volta ao Brasil. Segundo ele, a paixão pela biblioteca é ilimitada e não há fronteira que separe a sua vontade de servir o seu país. Os futuros desafios mencionados por Lucchesi estão relacionados à ampliação do acervo digital e do quadro de funcionários, ao aumento do espaço para acolher ainda mais obras e aos relacionamentos internacionais, que ele busca expandir. 
Para o docente, o Brasil tem saudade de um futuro. Para haver destino, é necessário que a sociedade olhe para o passado e entenda a sua história. "O Brasil precisa entender o papel da instituição que trata a memória. Se a gente puxar as cordas, o futuro chega mais rápido, mas se estivermos desmemoriados, ele chegará vazio", aponta.

Lucchesi não escondeu a emoção de ter sido chamado para presidir a instituição. "Fiquei emocionado porque ela é uma referência fundamental para nós. Quando digo nós, em terceira pessoa, é Brasil e planeta. Além de ser um lugar de conhecimento, é um espaço que acolhe, que abre perspectiva digital, virtual e física", disse ele, que frequenta a Biblioteca Nacional desde os 15 anos de idade.

Desde pequeno o professor sentia-se atraído pela biblioteca. "Naquela época não tinha internet e sempre que eu precisava de algo, a instituição nunca me decepcionou. Eu encontrava o que precisava e, se não era exatamente, era o mais próximo possível. Tenho costume de falar que a biblioteca é um enorme oceano e eu buscava dar mergulhos nela e nunca voltei sem uma moeda de ouro, sem um peixe belíssimo, sem uma ostra. Tenho uma gratidão infinita por essa instituição que acolhe a todos e dá o seu melhor".

Para ele, a função da Biblioteca Nacional é cuidar e dar memória à nação brasileira. Seu carinho pela instituição fez Lucchesi ser um frequentador assíduo do espaço, realizando exposições e expandindo cada vez mais a sua carreira de poeta, tradutor e romancista, que o fez ganhar prêmios da própria biblioteca.
"Sobre o espaço, é algo importante que precisa ser ampliado. As Bibliotecas Nacionais têm como finalidade acolher livros, produzir metadados e as obras precisam ser compreendidas, classificadas e difundidas, então um dos grandes desafios de toda instituição desse tipo é o espaço suficiente. Temos o projeto de ampliá-lo, que é algo antigo e esperamos dar passos mais eficazes quanto a isso, e também aumentar o acervo digital".

A Biblioteca Nacional do Brasil é considerada a maior da América Latina e, segundo Lucchesi, tem dois acervos: um que guarda as obras e outro de servidores da casa, terceirizados e aposentados. "Esse grupo realiza trabalho importante e contínuo que atravessa qualquer presidência. Não depende de um presidente em si, é um trabalho de alimentar um ser que não para de crescer, que é o depósito legal que chega todo dia na instituição. Eu tenho uma equipe incrível de bibliotecários e arquivistas que fazem o trabalho de forma correta. Para ter sucesso na gestão, procuro escutá-los e responder expectativas e desafios, que é aumentar a equipe de funcionários também".
Futuras ampliações

Lucchesi informou que tem conversado com o governo sobre as ampliações, não apenas do espaço físico, mas também dos acervos que contam com mais de 100 milhões de acessos anuais na Biblioteca Digital. "A gente vai ampliar muito a perspectiva digital, criando um acervo de digitalização e referência, e ao mesmo tempo temos falado também do diálogo entre a Biblioteca Nacional com as outras comuns. Vamos aprofundar mais as relações com a América Latina, por exemplo. Acredito que a instituição tem um papel muito importante, como um espelho da República. A cidadania, não importa gênero, orientação sexual, classe ou cor de pele, tem que representar todos como um espelho. Todo mundo tem que se ver na biblioteca".

A modernização de documentação de povos originários, terras quilombolas e de obras originais também é um roteiro que será seguido pela nova gestão. "Estamos apostando na ampliação do que consideramos o fato mais importante que é a preservação da memória digital e física e acho que essas são duas grandes coisas. Agora mesmo, já colocamos um dossiê muito importante sobre a China e temos como um dos objetivos abrir mais o diálogo com eles", explicou Lucchesi.

O convite

Ao longo dos últimos anos, Lucchesi contou que recebeu três convites para assumir a presidência da Biblioteca Nacional. Nessa terceira vez, ao ser consultado, não exultou e aceitou. "Muita gente na instituição falava para eu ir, então decidi topar, embora eu não tivesse qualquer ideia que eu pudesse ser presidente de lá. Fiquei muito emocionado, não só por essa razão de amor a casa, que é o lugar que eu mais amo no Brasil e mundo, mas também sabedor da responsabilidade que eu ia assumir".

Mesmo sendo presidente atualmente, Lucchesi afirmou que não abrirá mão de continuar em seus compromissos humanitários. "Eu sempre subi comunidade, fui até quilombolas, visitei missões no Vale do Javali, vi povos originários falando. É algo que eu me emociono. Tudo isso que era meu compromisso, vou continuar tocando. Vou continuar indo em prisões e visitando comunidades".

Como o cargo é de confiança, ele não sabe quanto tempo exatamente ficará à frente da instituição, mas espera permanecer o tempo necessário para poder responder à maioria dos desafios da Biblioteca Nacional junto aos seus servidores. "Não preciso inaugurar nada ou cortar nenhuma fita. Mesmo que eu não consiga realizar tudo, eu espero ter condições de deixar a instituição organizada para que uma outra administração que me suceda possa finalizá-la. Meu compromisso não é pessoal, é institucional. O que eu puder preparar e concluir, melhor ainda. Mas, se não der, que eu possa facilitar para o meu próximo concluir. É necessário que a sociedade brasileira crie consciência do papel importante que a Biblioteca Nacional tem no país".

História

De família italiana, Lucchesi começou a escrever aos 6 anos. Suas primeiras anotações eram coisas da rotina, como feitos domésticos, o que ele observava da família, e diários. "Eu relatava o que estava acontecendo em casa. Depois, fui para as traduções aos 16 anos. Essa foi a minha paixão. Meu pai falava muito da divina comédia, era um livro grande, e também tive muita influência da música, o piano, e as histórias que eu ouvia da minha avó. Eu digo que a minha casa era uma verdadeira biblioteca".

Ele contou que nunca foi colecionador de livros, mas respeita quem gosta. Seu objetivo era doar as obras para que alguém pudesse ter a mesma experiência ímpar que ele teve. "Eu dava meus livros e distribuía para as bibliotecas. A primeira vez que eu entrei na Biblioteca Nacional era como se fosse um menino entrando na máquina do tempo. Nunca esqueço a sensação. Quando eu estava na faculdade de história, fui pesquisar jornais antigos e folheava tudo com muito cuidado. Estudava a finco o século 19 e, quando dava meu horário, ia embora e via que o mundo lá fora era o real, com carros mais modernizados. Ou seja, eu viajava no espaço".
Marco Lucchesi, além de professor titular da Faculdade de Letras da UFRJ, é poeta, escritor, romancista, ensaísta, tradutor, historiador e já foi presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) de 2018 a 2021. 

A Biblioteca Nacional
Com mais de 200 anos, a Biblioteca Nacional do Brasil é considerada pela Unesco uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo, também a maior biblioteca da América Latina. O núcleo original de seu acervo, calculado hoje em cerca de dez milhões de itens, é a antiga livraria de D. José organizada sob a inspiração de Diogo Barbosa Machado, Abade de Santo Adrião de Sever, para substituir a Livraria Real, cuja origem remontava às coleções de livros de D. João I e de seu filho D. Duarte, e que foi consumida pelo incêndio que se seguiu ao terremoto de Lisboa de 1º de novembro de 1755.