Paes sanciona ‘Lei dos Puxadinhos’, que permite a legalização de imóveis no Rio
Legislação estabelece condições especiais para o licenciamento e a legalização de construções e acréscimos nas edificações no município mediante pagamento de contrapartida
Legalização de obras de construção, modificação ou acréscimo existentes, construídas em desacordo com a legislação vigente, é permitida mediante o pagamento de contrapartida - Banco de imagens/ Agência O DIA
Legalização de obras de construção, modificação ou acréscimo existentes, construídas em desacordo com a legislação vigente, é permitida mediante o pagamento de contrapartidaBanco de imagens/ Agência O DIA
Rio - O prefeito do Rio, Eduardo Paes, sancionou em publicação no Diário Oficial desta terça-feira (23) a chamada "Lei dos Puxadinhos", oficialmente, a Lei Complementar nº 260. O texto é de autoria do Poder Executivo, foi aprovado pela Câmara Municipal no final de abril e entrou em vigor nesta terça-feira. A legislação estabelece condições especiais para licenciamento, legalização de construções e acréscimos nas edificações mediante pagamento de contrapartida.
Para ser beneficiado pela lei, é preciso cumprir requisitos mínimos de segurança, salubridade e habitabilidade. De acordo com o texto, o pagamento da taxa será definido por meio de um laudo de contrapartida, que, a depender da localização e características do projeto, precisará ser aprovado pelos órgãos municipais competentes.
Uma emenda, proposta pela vereadora Rosa Fernandes (PSC), permite o pagamento da contrapartida com redução de 50% à vista, e com redução de 30% para o pagamento em até 60 parcelas para os imóveis residenciais e comerciais das Áreas de Planejamento 3 (Zona Norte) e 5 (Zona Oeste), das Regiões Administrativas XVI (Jacarepaguá) e XXXIII (Cidade de Deus) e no bairro de Rio das Pedras. O objetivo, segundo a parlamentar, é facilitar o processo de regularização da população de menor renda.
Os equipamentos públicos de interesse coletivo e as áreas ocupadas por templos religiosos contemplados pela imunidade tributária ficaram de fora da cobrança da contrapartida.
A legislação permite a ampliação horizontal nas áreas descobertas em qualquer nível da edificação e nos pavimentos de cobertura já legalizados ou previstos pela legislação, mediante o pagamento de contrapartida.
Também foi permitido o acréscimo de um pavimento de cobertura em edificações com três ou mais pavimentos, construídas afastadas ou não afastadas das divisas, mediante pagamento de contrapartida sobre a área deste novo pavimento.
A possibilidade de regularização de "puxadinhos" feitos irregularmente foi apelidada como "mais valia". E a legalização de obras irregulares antes mesmo de saírem do papel, foi chamada de "mais valerá".
O prazo para a apresentação dos pedidos de legalização de obras por contrapartida é de 180 dias, prorrogável por 90 dias. Após o período, a multa compensatória aplicada no exercício da fiscalização sofrerá acréscimo de vinte por cento em relação ao previsto. Essas condições serão aplicadas até que seja publicado o novo Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, responsável pela revisão da Lei Complementar nº 111, de 2011.
O Poder Executivo Municipal, ao enviar o texto ao Poder Legislativo, afirmou que o objetivo da lei é a ordenação da regularização urbana, facilitando a fiscalização, propiciando assim, para os casos em que não se justifique a ação demolitória, o adequado exercício do poder de polícia da municipalidade, permitindo a legalização de milhares de unidades residenciais, comerciais e de serviços.
Legislação criticada
O professor do Programa de Pós-graduação em Urbanismo da UFRJ (Prourdb), Sérgio Magalhães, classificou a nova legislação como uma anomalia por consagrar a construção fora da lei. O urbanista destaca que a aprovação da legislação foi feita fora do novo Plano Diretor da cidade. "Para mim é um contrassenso que diz que se você paga, pode construir fora da lei, no momento em que se construiu um Plano Diretor, que envolve a participação da sociedade sobre onde e como construir", critica.
O projeto do novo Plano Diretor da cidade do Rio (Projeto de Lei Complementar nº 44/2021) deve ser votado em primeira discussão já no mês que vem. A votação definitiva do projeto, que define todo o ordenamento urbano e orienta o desenvolvimento do Rio pelos próximos 10 anos, deve ocorrer no início do segundo semestre deste ano.
Magalhães acrescenta que a aprovação da legislação conhecida como 'Lei dos Puxadinhos' prioriza a arrecadação em detrimento do planejamento urbano. Ele pondera que, ainda assim, seria possível arrecadar mais com a construção de uma cidade legal. "É um exercício do poder arrecadatório da prefeitura em contradição com o poder de regular o espaço da cidade. Isso não é uma iniciativa original. A cidade está há algumas décadas exercitando essa anomalia de permitir que se legalize o que foi construído fora da lei. A novidade é que agora se pode aprovar antes mesmo de construir fora da lei", afirma o professor da UFRJ.
A coordenadora da Comissão de Política Urbana do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio (Cau/RJ), Rose Compans, informa que o conselho chegou a enviar cartas aos vereadores para que rejeitassem a legislação. A coordenadora considera que, na prática, são duas legislações em uma: a primeira sobre a "mais valia", que trata da regularização de construções feitas sem licença e a segunda sobre a "mais valerá", que pode beneficiar construtoras, já que trata de imóveis na planta.
"O 'mais valerá' permite fazer um gabarito novo para a cidade inteira. O que vai significar aumentar o gabarito de bairros como Urca, Jardim Botânico, Santa Teresa? Não foi apresentado nenhum estudo técnico. Aumenta-se a área de construção, fechando coberturas, altera-se a morfologia da cidade, aumenta-se a área construída. Isso pode trazer impactos", critica a coordenadora do CAU, Rose Compans. A especialista acrescenta que os principais beneficiados pela lei são donos de coberturas e construtoras.
Para Luiz Carneiro, coordenador da Câmara Especializada de Engenharia Civil do Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro), a legislação pode trazer problemas e deveria ser restrita a um território específico. Ele considera que a mudança de uso e a mais valia podem favorecer a revitalização do Centro da cidade, mas não poderia ser generalizada para todo o município.
"A Lei do Puxadinho, para revitalizar o Centro, é superválida. O prédio da Caixa Econômica, na Rua Almirante Barroso, por exemplo, é enorme e está às moscas. Poderia ser transformado em prédio residencial, mas não se deveria aplicar isso para o Rio de Janeiro inteiro. No meu entendimento, vai haver abuso. Uma regra que sirva para todo o Rio é muito afoita", afirma Luiz Carneiro.
Uma "Lei dos Puxadinhos" sancionada pelo ex-prefeito Marcelo Crivella em agosto de 2020 foi suspensa pela Justiça naquele mesmo ano. O Tribunal de Justiça atendeu a um pedido de Ministério Público e considerou que foram flexibilizadas regras urbanísticas em desacordo com o plano diretor da cidade. A decisão foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Mudança de uso em hotéis
A nova legislação também permitiu a transformação de uso das edificações destinadas à hospedagem, que tiveram benefícios edilícios específicos para o uso de hotel quando do licenciamento de sua construção, mediante pagamento de contrapartida incidente sobre a Área Total Edificada (ATE) existente e legalizada.
A coordenadora da Comissão de Política Urbana do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio (Cau/RJ), Rose Compans, chama atenção para o parágrafo 8, do artigo 7 da legislação que permite que hotéis sejam transformados em hospitais. A coordenadora ressalta que hospitais têm alto impacto nos trânsitos dos bairros.
"Hospital é uma das atividades mais impactantes para o sistema viário. Há movimento de caminhões, ambulâncias, táxis, entre outros. Um hotel se transformar em hospital é muito grave. Pode ter impactos sérios nos bairros", alerta.
Emenda vetada
Um artigo acrescentado pela vereadora Luciana Boiteux (Psol) e outros vereadores foi vetado pelo prefeito Eduardo Paes. O dispositivo exigia que pelo menos 50% do valor arrecadado pelo pagamento de contrapartida fosse destinado ao Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS). O prefeito, ao vetar o artigo, afirmou que a emenda parlamentar altera a Lei municipal n° 4.463/07, ao prever nova fonte de recurso ao FMHIS, e diz que o Projeto de Lei Complementar originalmente encaminhado pelo Poder Executivo não objetivava alterar a lei citada.
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