Estação de São Cristóvão está incluída no "Trecho do Medo" da SuperViaArquivo / Gilvan de Souza / Agência O Dia
Especialistas apontam abandono do espaço público como justificativa para aumento de roubos na SuperVia
Na manhã desta terça (6), dois funcionários foram assaltados por criminosos com facas; número de casos chegou a 20 desde o começo do ano
Rio - O aumento no número de assaltos a mão armada contra funcionários da SuperVia, que chegou nesta nesta terça-feira (6) a 20 casos registrados desde o começo do ano, pode ter relação com o território e o abandono gradual do espaço público nos últimos anos, segundo especialistas ouvidos pelo DIA.
Na manhã desta terça, dois funcionários da concessionária foram rendidos por criminosos armados com facas entre as estações da Praça da Bandeira, Zona Norte do Rio, e São Cristóvão, região central do município, caminho conhecido como "Trecho do Medo" pelos colaboradores. Em alguns casos, os assaltantes chegam a bloquear os trilhos dos trens para exigir a parada do veículo e roubar os integrantes.
De acordo com o professor José Ricardo Bandeira, presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, o modo de operação desses criminosos surgiu devido à falta de planejamento da segurança pública e a dificuldade logística e operacional em efetuar um patrulhamento ostensivo nas ferrovias. Os fatos, segundo ele, tendem a expandir a criminalidade para diversos locais, como as estações de trem do Rio.
Bandeira comparou o aumento desses crimes com a 'Teoria das Janelas Quebradas' do cientista político James Wilson e do psicólogo George Kalling. Para o professor, a decadência do espaço urbano cria um terreno propício para a criminalidade.
"Essa teoria é fundamentada na lógica de que se uma simples janela quebrada em um prédio não for imediatamente consertada, a população passará a pensar que não existe autoridade responsável pela ordem ali. Com isso, em instantes, todas as outras janelas estariam destruídas, levando à decadência daquele espaço urbano, criando terreno propício para a criminalidade. Com a diminuição da repressão policial devido à falta de planejamento da segurança pública, falta de investimento em inteligência e investigação e a dificuldade logística operacional em se efetuar um patrulhamento ostensivo nas ferrovias, a mancha de criminalidade tende a se expandir para diversos locais, desenvolvendo novos modus operandi. E é exatamente este fenômeno que ocorre na SuperVia, onde temos um transporte ineficiente e desumano com a proliferação de comércio ilegal dentro dos trens, tráfico de drogas, assédio sexual e muitos outros delitos, fazendo com que o sistema fique vulnerável para a prática de outros crimes", afirmou.
Para Bandeira, o índice de criminalidade nas ferrovias pode diminuir através de investimentos em ferramentas e tecnologia de inteligência e investigação, aumento do patrulhamento ostensivo onde os crimes acontecem com maior incidência, com agentes infiltrados nos vagões e treinamento adequado dos policiais para enfrentar essa nova realidade criminal.
Aumento dos crimes dependem de cada território
A professora de Sociologia Criminal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Nalayne Pinto, afirmou que para fazer uma análise das políticas públicas e produção de segurança tem que olhar para o território e o ambiente onde esses crimes estão acontecendo. De acordo com a especialista, locais mais degradados, abandonados e sem vigilância são alvos mais fáceis para a atuação de criminosos.
Levando em consideração os dados de roubos nas ferrovias, a professora entende que as estações citadas podem se encaixar em um território com menor número de policiamento. Para ela, as forças de segurança devem diagnosticar esses locais em busca de diminuir o número de assaltos. No entanto, Nalayne entende que o combate a esses crimes pode ser realizado também com o apoio da população como os usuários e funcionários da SuperVia.
"É preciso identificar o que é possível fazer nesses territórios ampliando a sensação de segurança e a possibilidade de uma maior circulação, inclusive com iluminação. É preciso criar estratégias que não demandem apenas da Polícia Militar para segurança. É claro que ela é importante, mas a gente não tem efetivo para estar em todos os lugares do Rio de Janeiro. É humanamente impossível e a Polícia Militar não dará conta. É preciso criar estratégias de segurança inclusive contando com a participação da sociedade. Nós temos projetos de segurança para redução da violência doméstica onde mulheres vizinhas apitam quando uma vizinha está sofrendo violência. Isso também pode ser usado em outras esferas. É preciso mobilizar também outras esferas como a comunidade local, os usuários da SuperVia e criar estratégias que você tenha vários grupos mobilizados para ampliar a sensação de segurança efetiva para reduzir essas violências e esses roubos e furtos. Não tem como prever que a pessoa está motivada a roubar, mas você tem como criar territórios seguros para que iniba a pretensão dela", disse a professora.
A SuperVia afirmou que tem adotado todas as medidas possíveis para garantir a integridade de seus funcionários, inclusive oferecendo suporte psicológico por meio de seu Núcleo de Saúde Mental. "Em paralelo, a empresa atua em parceria com as forças de segurança pública do Estado, buscando soluções para mitigar o risco à operação decorrentes da violência urbana", informou por meio de nota.
A concessionária ainda contou que opera com agentes de controle em todas as estações com o principal objetivo de informar, orientar e garantir o bem-estar e a integridade dos passageiros. Contudo, os mesmos não tem poder de polícia. A empresa destacou que designa seus agentes para realizar vistorias e acionar a polícia sempre que necessário.
Policiamento em estações
Questionada sobre o assunto, a Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que a corporação criou, em outubro de 2021, um grupo de trabalho com concessionárias, operadoras de telecomunicações e órgãos públicos para unir esforços e buscar soluções conjuntas diante dos casos de roubos e furtos que afetam esses serviços.
A PM afirmou que autoridades e representantes das instituições se reúnem corriqueiramente para compartilhar informações e discutir ações integradas. Além dessas reuniões, a corporação contou que troca dados com a SuperVia, de forma regular, sobre o assunto.
Na manhã desta segunda-feira (5), três homens, suspeitos de realizarem roubos na estação de Deodoro, foram presos em uma ação da PM na Comunidade do Triângulo, no mesmo bairro. Com os presos, os agentes encontraram uma grande quantidade de drogas e cerca de R$ 120 em dinheiro. A ocorrência foi encaminhada para 30ª DP (Marechal Hermes). A ação fez parte da Operação Estação Segura, que tem como objetivo coibir as práticas de roubos a passageiros e furtos de materiais que pertencem à concessionária que opera o sistema de trens do Estado.
Ainda segundo a corporação, o Grupamento de Policiamento Ferroviário (GPFer) realiza patrulhamento ao longo de mais de 270 quilômetros de extensão de malha ferroviária, durante o horário de funcionamento das estações, para coibir esse tipo de delito. Dados levantados pelo GPFer apontam que entre setembro de 2022 e maio deste ano, a unidade realizou 302 prisões, além da apreensão de diversos equipamentos e materiais.
Também procurada, a Secretaria de Estado de Polícia Civil destacou que delegacias como a 30ª DP (Marechal Hermes) e a 17ª DP (São Cristóvão) investigam casos que aconteceram em Deodoro e entre a Praça da Bandeira e São Cristóvão, respectivamente. Os agentes realizam diligências, analisam imagens e levantam informações para identificar os autores. A instituição acrescentou que trabalha em conjunto com a Polícia Militar para coibir tais práticas criminosas nas áreas citadas.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.