De acordo com o relatório do CNJ, 83% dos casos de reconhecimento equivocado aconteceram com pessoas negrasJulia Passos/Alerj

Rio - O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou, nesta quinta-feira (29), uma série de propostas para melhorias na identificação facial em delegacias. O debate foi realizado durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Reconhecimento Fotográfico nas Delegacias, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). As medidas tem como objetivo reduzir a quantidade de prisões injustas.
De acordo com o documento, o Artigo 226 do Código de Processo Penal, que estabelece normas para o reconhecimento de suspeitos, necessita de melhorias para evitar prisões por conta de reconhecimento facial incorreto.
A advogada Maíra Costa Fernandes, integrante do Grupo de Trabalho do Reconhecimento de Pessoas, instituído pelo CNJ, ressaltou que caso o artigo fosse seguido integralmente, ocorrências do tipo teriam sensível redução, antes mesmo da aplicação das melhorias sugeridas. "O relatório pode servir como ponto de partida para esta CPI. O Art. 226 não é o ideal, mas se pelo menos ele fosse cumprido, estaríamos em um cenário diferente", disse.

O relatório propõe a nulidade de processos em que tenha sido observado desrespeito ao Art. 226; cursos de capacitação em reconhecimento facial para agentes de segurança e magistrados; além de alterações legislativas sobre o artigo: a produção do material fotográfico para reconhecimento passaria a ser padronizada, tatuagens e cicatrizes de suspeitos seriam ocultas, o momento do reconhecimento passaria a ser gravado e a fotografia do suspeito seria excluída de álbuns imediatamente após este quitar suas pendências com a Justiça.

"O nosso judiciário vem reconhecendo, em uma série de decisões, a nulidade do reconhecimento falho. Já temos vários bons precedentes que mostram que o juiz não pode utilizar a prova se ela for feita em desrespeito ao Art. 226, ou seja, não basta apenas o reconhecimento em delegacia para condenar alguém. Também não devem ser feitas à vítima perguntas que possam induzir a resposta e contaminar sua memória", acrescentou Maíra.

Reconhecimento equivocado

Ainda de acordo com o relatório, 83% dos casos de reconhecimento equivocado aconteceram com pessoas negras. Dentre os absolvidos após comprovação do erro, 80% ficaram um ano ou mais em prisão provisória, sendo 95,9% do gênero masculino. Além disso, de 113 casos considerados emblemáticos, ocorridos entre 2000 e 2021 em todo o Brasil, 76,1% aconteceram nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. "Esse reconhecimento gera um número muito alto de prisões provisórias, especialmente de negros e pardos em nosso país. A vítima não pode se sentir obrigada a reconhecer. A foto do criminoso pode sequer estar no álbum", completou a advogada.

A CPI ainda aprovou o convite a Danillo Felix, jovem acusado erroneamente por um roubo na cidade de Niterói e preso injustamente após reconhecimento fotográfico, para ser ouvido como testemunha. Também foram convidados os diretores do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), Joel Luiz da Costa e Juliana Sanches. As oitivas foram solicitadas pela deputada Verônica Lima (PT).

"O IDPN reúne advogadas e advogados negros que trabalham em centenas de casos de violação de direitos de reconhecimento fotográfico. É importante a participação dessas pessoas para enriquecer os trabalhos desta CPI", disse a parlamentar.

A Comissão também aprovou o convite, na condição de testemunha, ao soldado da Polícia Militar Douglas da Silva Moreira, vítima do mesmo tipo de reconhecimento equivocado. A proposta foi feita pela presidente do colegiado, deputada Renata Souza (PSol). "Antes de começar a trabalhar na PM, o soldado foi vítima de um indiciamento em sede policial, com base em reconhecimento fotográfico. Ele é uma das figuras mais importantes para a gente debater sobre esse assunto", acrescentou a parlamentar, explicando que as datas dos depoimentos ainda serão agendadas pela CPI.