Detalhe de uma das áreas comuns dos moradores do Cores da LapaBruno Kaiuca/Agência O Dia

Rio - Um levantamento realizado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) aponta um número alto de conflitos entre vizinhos de condomínios do Rio de Janeiro.

De janeiro de 2018 a dezembro de 2022 foram registrados no estado 35.244 casos de ameaça, lesão corporal dolosa, tentativa de homicídio e feminicídio envolvendo vizinhos. Esse total equivale a uma ocorrência a cada uma hora e meia, em média, o que é preocupante já que muitos casos são graves e viram casos de polícia.

Em julho, um homem foi indiciado por agredir vizinho no Leblon, Zona Sul. Ele foi flagrado, novamente, batendo na vítima depois de uma discussão, em janeiro deste ano. Antes disso, um outro caso, em abril deste ano, virou notícia após um homem suspeito de tentar matar o vizinho, no bairro de Quintino Bocaiúva, Zona Norte, ser preso.


Em outro caso grave, em fevereiro, um casal envolvido em briga de vizinhos no bairro Cabuçu, em Nova Iguaçu, era procurado pela polícia suspeito de esfaquear e matar vizinho em briga por causa do som alto


Esses são alguns das dezenas de casos que viram caso de polícia e, infelizmente, alguns até terminam de forma trágica. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) já registrou, até o fim de maio, 226 casos ligados ao direito de vizinhança. Os motivos são os mais variados: desde disputas por vagas de garagem à implicância contra o vaso de planta colocado em algum lugar que desagrada a alguém. As queixas, muitas vezes, resultam em chamados para a PM e registros na delegacia e vão parar na Justiça.

Foi o que aconteceu há 10 anos com a jornalista Gabriela Duarte. Ela diz que morava "em paz" com o marido e o filho em uma casa de vila, localizada em Itaipu, Niterói, até que uma nova vizinha, que aparentava ter 50 anos, se mudou para a casa ao lado.

"A gente tinha uma relação normal com ela quando ela se mudou pra lá, só que durou pouco, porque ela sempre chegava bem alcoolizada, altas horas da noite, e vira e mexe ela tocava na nossa casa de madrugada, para pedir para abrirmos o portão porque ela perdia a chave toda hora", recorda.

Gabriela relembra que os incômodos pelo interfone de madrugada se tornaram comuns e atrapalhavam a rotina da família, que acordava muito cedo para trabalhar e tinha um filho pequeno na época.

"Passou um tempo e eu falei para o meu ex, na época éramos casados, para dar um toque nela, educadamente. Aí teve um dia que ela chegou da rua, eu vi quando ele falou com ela baixinho. Deu um toque para ela tomar mais cuidado com a chave e não ficar tocando sempre na nossa casa, tarde da noite, porque era constante. E aí ela começou a se alterar, começou a gritar. Eu não lembro exatamente o que ela falou, mas começou a armar um barraco e desde então nossa vida virou um inferno", afirma.

A partir daí, a família começou a ser perseguida pela vizinha, que não aceitou bem a conversa e passou a fazer de tudo para atrapalhar: "Parecia coisa de novela, eu não estava acostumada. Minha família é bem pacífica, eu sou uma pessoa bem pacífica, detesto confusão, detesto gente que fala alto na rua. Sempre fui muito apaziguadora, então eu me vi numa situação ali que me causava muito mal".

A jornalista diz que o namorado da vizinha tinha um cachorro da raça bull terrier, que ela mesma tinha medo. Para provocar os moradores, ela começou a soltar o animal na área comum da vila.

Em uma outra ocasião em que estava chegando em casa com o marido e filho, ouviu muitos xingamentos da mulher e depois escutou ela conversando com o namorado que ia mandar "o cara lá do morro" dar um jeito.

"Nesse dia eu fiquei desesperada. Eu fui para a delegacia para fazer a denúncia. Eu falei para eles que eu tinha até gravação no celular, só que eu tive uma péssima experiência porque a polícia não levou a sério. Eles agiram como se fosse mais uma briga de vizinhos. Nem quiseram ver e só registraram o boletim de ocorrência".

Depois disso, eles já tinham decidido que se mudariam e apressaram a mudança para Araruama.

"A gente fez a mudança toda de um jeito horroroso. Fomos levando as coisas, passando pela porta dela e ela na janela, falando um monte de coisa, coisas ruins. Na hora de ir embora, meu marido quase perdeu a cabeça com ela, eu também", lembra. Depois disso, Gabriela afirma que ganhou trauma de morar em casa de vila.

Síndico relata principais conflitos

O síndico do Condomínio Cores da Lapa, Paulo Badin, diz que os principais conflitos entre vizinhos são comportamentais e variados. Eles vão desde brigas que envolvem cachorros, como latidos, fezes e urinas em áreas comuns, a barulho de crianças e obras fora do horário.

"Acho difícil eleger uma mais complicada, pois já tivemos situações com filhos, com pets, com barulhos, e até mesmo de agressão. Todas possuem grau de importância, principalmente aos envolvidos. Agimos como preconiza o regimento interno e a lei, buscando apaziguar as partes, resolver juntos o problema, mas sem deixar de notificar - ou multar, se for o caso - e até mesmo levar o assunto a outras instâncias, caso necessário. Dessa forma, mostramos seriedade no tratamento do problema e respeito aos moradores", explica.

Segundo Badin, as principais regras de boa convivência são o respeito à Convenção e às regras do condomínio. "Respeito ao próximo; entender que, mais que o bom senso, o 'senso comum' deve prevalecer, ou seja, não é bom pra mim, mas é pros demais, então seguimos juntos mesmo assim, e o contrário também", diz.

Para que os moradores tenham melhor convívio e interajam mais, o síndico costuma promover alguns eventos no condomínio.

"Há vários eventos: dia das crianças; Natal com Papai Noel; festa de Ano Novo; churrascos coletivos; festas temáticas - queijos e vinhos; junina. Alguns anos temos mais, outros menos, mas sempre há algo feito para o convívio dos moradores".

Administradoras dão dicas para melhorar convívio entre os vizinhos

Anna Carolina Chazan, gerente geral de Gestão Predial da Estasa - administradora que atende mais de 600 condomínios no Rio de Janeiro, aconselha os moradores a sempre procurar o síndico antes de tomar uma atitude mais extrema, como chamar a polícia.

"A figura do síndico tem ganhado destaque dentro dos condomínios. Ele se tornou esse mediador de conflitos, uma referência que apazigua e encontra soluções", afirma.

Thiago Pereira, gerente da área de condomínios da Conac, que administra mais de 500 condomínios,explica que quando há alguma situação, principalmente relacionada a conflito interno, a empresa sempre procura tomar a frente do problema.

"Primeiro, para preservar a imagem do síndico, não deixar ele tão exposto e avaliar a situação, digamos assim, de uma maneira imparcial, fazendo o nosso juízo de valor e dando o nosso parecer formal ao síndico, até porque muitas vezes esses problemas não estão relacionados diretamente ao condomínio", diz.

O condomínio intervém, faz o seu papel como mediador de conflito, mas muitas das vezes, segundo ele, o problema deve ser resolvido entre as partes.

"Posso lhes garantir que 90% dos problemas aqui são resolvidos na esfera amigável, ou seja, sempre pautados no diálogo, então a gente sempre procura conversar com as duas partes para entender os problemas e buscar uma solução. Não tendo a solução amigável, aí não há outra alternativa a não ser que as partes resolvam da melhor maneira que bem entender", explica.

Em última instância, o condomínio deve entrar com uma ação judicial para que tenha o objetivo alcançado.

"Os conflitos internos nos condomínios são diversos, mas os mais comuns estão relacionados a barulhos, cachorros que latem e incomodam o vizinho e som alto após o horário permitido. Hoje nós temos condomínios que são equiparados a clubes, e os apartamentos geralmente do primeiro ou do segundo andar, que sofrem mais com ruídos, seja de um som alto, até mesmo do pessoal que fica conversando ali até mais tarde na área comum. Tivemos casos graves aqui, de quase vias de fatos entre condôminos e visitantes, o que infelizmente passa a ser comum esse tipo de ocorrência em condomínios maiores", diz Thiago.

Regras da boa vizinhança

Sobre as regras de boa vizinhança, a Conac diz que sempre orienta os síndicos a darem publicidade a trechos da convenção e do regulamento interno que tratam especificamente sobre a utilização das áreas comuns, assim como a limitação do uso do condômino dentro da própria unidade.

"Alguns moradores costumam fazer a utilização de som após o horário permitido, o que acaba incomodando o seu vizinho, assim como nas áreas comuns, nas festas que são realizadas. Então o síndico precisa dar publicidade a essas informações para que os moradores tenham conhecimento e se policiem na hora de fazerem esses eventos e consequentemente descumprirem as regras internas do condomínio", explica o gerente.

Anna Carolina Chazan, da Estasa, preparou cinco dicas para uma boa convivência:

1. Respeite as regras internas do seu condomínio, como regimento interno e convenção;
2. Seja tolerante com as diferenças, respeite o próximo e evite acusações. Quando for pedir ou questionar, seja sempre educado e cortês ou faça isso por intermédio do síndico.
3. Seja adimplente com suas obrigações;
4. Participe das assembleias do condomínio;
5. Comunique ao síndico qualquer irregularidade dentro do condomínio, pois ele deve tomar as providências cabíveis, de acordo com as normas vigentes.

Advogado orienta sobre quando a Justiça deve ser acionada

Roberto Bigler, advogado Especialista em Direito Imobiliário e Empresário, explica que quando se trata de problema entre vizinhos, o primeiro passo antes de qualquer coisa é a conciliação, tentar conversar com o vizinho.

"A primeira etapa, antes de caminhar para uma judicialização ou algo do gênero, então se o vizinho estiver cometendo algum ato que extrapole o que a gente chama de algo normal, está agindo com falta de proporcionalidade, é adequado que o vizinho que está sofrendo com esse dano, procure o outro vizinho e tente conversar para que cesse essa atividade", orienta.

Caso esse conflito não consiga ser resolvido amigavelmente, o próximo passo recomendado é uma notificação extrajudicial para tentar garantir que esse vizinho realmente pare e com a atividade que está causando incômodo e até mesmo possa constituir em mora e comprovar que houve uma tentativa amigável.

"Caso isso não seja possível, reunindo todas as provas, aquela pessoa que se sentir lesada por ir a juízo e buscar que faça-se se cessar essas atividades".

No caso de uma ameaça eventualmente sofrida por um vizinho, é necessário avaliar que tipo de ameaça foi. "Se foi uma ameaça do tipo criminal, ou seja, ameaçando a integridade física ou até mesmo o patrimônio desse vizinho, ele pode ir até uma delegacia de polícia e registrar uma ocorrência sobre o crime de ameaça, que tem pena de três meses de detenção e multa", explica.